Data de publicação
2015
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Embora as primeiras cargas de escravos chegadas a Portugal, nos meados do século XV, tenham aportado à vila de Lagos, no Algarve, tendo funcionado aí a Feitoria dos tratos da Guiné, na década de 80 dessa centúria Lisboa passou a ter prioridade como porto de entrada de cativos africanos no reino. Mais tarde, em 1512, um alvará de D. Manuel I canalizou obrigatoriamente para a cidade do Tejo todo o tráfico de escravos vindos da Guiné, por razões de controlo fiscal, restando aos outros portos do país as descargas que, por razões de força maior, nomeadamente intempéries, não pudessem atingir Lisboa. As próprias Ordenações Manuelinas, código das leis fundamentais do reino, editadas primeiro em 1512-13 e reeditadas em 1521, só admitiam o desembarque noutros portos se os responsáveis o fizessem “sem malícia” e “por não poderem al [outra coisa] fazer”. Por isso, a partir daí a maior urbe portuguesa transformou-se no seu principal empório negreiro, assim como da Península Ibérica e um dos maiores da Europa.
A entrada dos escravos, quer fossem da coroa quer de particulares, mas com autorização real, fazia-se através da Casa da Guiné e da Mina, instituição localizada na Ribeira da cidade, junto ao paço régio, de acordo com o respetivo regimento, promulgado por D. Manuel I em 1509. O seu capítulo 23º. descrevia os procedimentos a tomar sempre que desembarcassem cativos: à chegada das caravelas ou outros navios deviam logo acorrer ao porto o feitor, o tesoureiro e escrivães da Casa, assim como o almoxarife e o escrivão dos escravos, antes de se iniciar a respetiva saída. De seguida, fariam pôr na coberta todos os escravos, para serem contados, desembarcando-os depois e levando-os à Casa dos Escravos, departamento da Casa da Guiné dedicado a esse comércio específico. Nela eram avaliados e o seu preço colocado ao pescoço de cada um, em folhas de pergaminho, aí permanecendo até serem vendidos ou entregues às pessoas ou entidades a que, por direito ou mercê régia, pertenciam.
Os que se destinavam à venda eram alimentados, tratados de eventuais doenças ou feridas, e preparados para serem comercializados. Quando chegavam os mercadores interessados, examinavam-lhes a boca, vendo se tinham bons dentes, faziam-nos mexer os braços, curvar-se, correr e saltar. Havia também lugar para a intervenção de corretores, nomeados oficialmente como intermediários na venda dos cativos ao público. Antes de serem postos à venda eram untados com óleo, para ficarem lustrosos e com melhor aparência. Na realidade, tudo isto era também o que se tinha praticado nos mercados do mundo islâmico ao longo de séculos, fosse em Argel, no Cairo ou em Bagdad, onde se redigiram inclusivamente manuais para o perfeito comprador de escravos.
Era comum a venda dos cativos em leilão, nos lugares públicos da cidade, aos grupos ou isolados. Um desses locais era o Terreiro do Pelourinho Velho, uma das praças mais concorridas de Lisboa, junta ao Terreiro do Paço. Podiam também ser apregoados pela cidade, por intermédio de um pregoeiro da Câmara.
Os escravos chegados a Lisboa eram não só vendidos na própria cidade, mas levados também para outras terras do reino, por compradores que a ela acorriam, e igualmente para fora do país, sobretudo para Castela, quer por terra quer por via marítima. A cidade tornou-se, por isso, o principal fornecedor de mão-de-obra cativa aos reinos peninsulares. Muitos dos que a ela acorriam para adquirir escravos eram mercadores, que iam depois revendê-los nas cidades e vilas dos seus países, nomeadamente em feiras, como as que se realizavam em Medina del Campo e em Zafra, ou para grandes urbes como Sevilha, onde os principais traficantes lisboetas mantinham correspondentes, parte deles portugueses. Sevilha, por sua vez, abastecia de cativos as vilas e cidades mais populosas da Andaluzia. Outro porto com relevo como destino dos escravos saídos de Portugal era Valência, onde residiam também mercadores portugueses implicados nesse comércio de receção e revenda de cativos. Mas outras cidades figuraram como mercados desta mão-de-obra, como Córdova, Madrid, Salamanca, Toledo e Valladolid. Lisboa tinham-se tornado, nos séculos XVI e XVII, o mais ativo mercado negreiro da Península Ibérica.
A cidade adquiriu igualmente grande importância, nesses séculos, como centro financeiro e administrativo do tráfico atlântico de cativos, pois nela residiram e atuaram os principais mercadores negreiros, dinamizadores e financiadores das expedições marítimas destinadas à compra de escravos em África e à sua condução e venda quer para o Brasil quer para as Índias de Castela, neste último caso sobretudo depois da integração de Portugal na Espanha dos Áustrias. Essa primazia foi devida ao monopólio luso de acesso aos mercados de venda da mão-de-obra cativa, na costa africana, assim como ao dinamismo e poder económico dos traficantes portugueses e à experiência comercial e de navegação dos mestres e pilotos das embarcações implicadas no tráfico. No plano estatal, a coroa tudo fez para dinamizar, organizar e controlar esse comércio, de que retirava vultosos rendimentos.
Bibliografia:
BRANDÃO, João (1916), “Majestade e grandeza de Lisboa em 1552”, Arquivo Histórico Português, v. XI, Lisboa: s.e.; FONSECA, Jorge (2010), Escravos e senhores na Lisboa quinhentista, Lisboa: Colibri; GODINHO, Vitorino Magalhães (1983), Os descobrimentos e a economia mundial, 2ª. Edição, v. 4, Lisboa: Presença; HEERS, Jacques (2004), Les négriers en terre d’Islam. La première traite des noirs. VII.e-XVI.e siècles, Paris: Perrin; PERES, Damião (1947), Regimento das Casas das Índias e Mina, Coimbra: Faculdade de Letras; SAUNDERS, A. C. de C. M. (1994), História social dos escravos e libertos negros em Portugal (1441-1555), Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda; VOGT, John L. (1973), “The Lisbon Slave House and african trade, 1486-1521”, Proceedings of the American Philosophical Society, v. 117, nº. 1, february
A entrada dos escravos, quer fossem da coroa quer de particulares, mas com autorização real, fazia-se através da Casa da Guiné e da Mina, instituição localizada na Ribeira da cidade, junto ao paço régio, de acordo com o respetivo regimento, promulgado por D. Manuel I em 1509. O seu capítulo 23º. descrevia os procedimentos a tomar sempre que desembarcassem cativos: à chegada das caravelas ou outros navios deviam logo acorrer ao porto o feitor, o tesoureiro e escrivães da Casa, assim como o almoxarife e o escrivão dos escravos, antes de se iniciar a respetiva saída. De seguida, fariam pôr na coberta todos os escravos, para serem contados, desembarcando-os depois e levando-os à Casa dos Escravos, departamento da Casa da Guiné dedicado a esse comércio específico. Nela eram avaliados e o seu preço colocado ao pescoço de cada um, em folhas de pergaminho, aí permanecendo até serem vendidos ou entregues às pessoas ou entidades a que, por direito ou mercê régia, pertenciam.
Os que se destinavam à venda eram alimentados, tratados de eventuais doenças ou feridas, e preparados para serem comercializados. Quando chegavam os mercadores interessados, examinavam-lhes a boca, vendo se tinham bons dentes, faziam-nos mexer os braços, curvar-se, correr e saltar. Havia também lugar para a intervenção de corretores, nomeados oficialmente como intermediários na venda dos cativos ao público. Antes de serem postos à venda eram untados com óleo, para ficarem lustrosos e com melhor aparência. Na realidade, tudo isto era também o que se tinha praticado nos mercados do mundo islâmico ao longo de séculos, fosse em Argel, no Cairo ou em Bagdad, onde se redigiram inclusivamente manuais para o perfeito comprador de escravos.
Era comum a venda dos cativos em leilão, nos lugares públicos da cidade, aos grupos ou isolados. Um desses locais era o Terreiro do Pelourinho Velho, uma das praças mais concorridas de Lisboa, junta ao Terreiro do Paço. Podiam também ser apregoados pela cidade, por intermédio de um pregoeiro da Câmara.
Os escravos chegados a Lisboa eram não só vendidos na própria cidade, mas levados também para outras terras do reino, por compradores que a ela acorriam, e igualmente para fora do país, sobretudo para Castela, quer por terra quer por via marítima. A cidade tornou-se, por isso, o principal fornecedor de mão-de-obra cativa aos reinos peninsulares. Muitos dos que a ela acorriam para adquirir escravos eram mercadores, que iam depois revendê-los nas cidades e vilas dos seus países, nomeadamente em feiras, como as que se realizavam em Medina del Campo e em Zafra, ou para grandes urbes como Sevilha, onde os principais traficantes lisboetas mantinham correspondentes, parte deles portugueses. Sevilha, por sua vez, abastecia de cativos as vilas e cidades mais populosas da Andaluzia. Outro porto com relevo como destino dos escravos saídos de Portugal era Valência, onde residiam também mercadores portugueses implicados nesse comércio de receção e revenda de cativos. Mas outras cidades figuraram como mercados desta mão-de-obra, como Córdova, Madrid, Salamanca, Toledo e Valladolid. Lisboa tinham-se tornado, nos séculos XVI e XVII, o mais ativo mercado negreiro da Península Ibérica.
A cidade adquiriu igualmente grande importância, nesses séculos, como centro financeiro e administrativo do tráfico atlântico de cativos, pois nela residiram e atuaram os principais mercadores negreiros, dinamizadores e financiadores das expedições marítimas destinadas à compra de escravos em África e à sua condução e venda quer para o Brasil quer para as Índias de Castela, neste último caso sobretudo depois da integração de Portugal na Espanha dos Áustrias. Essa primazia foi devida ao monopólio luso de acesso aos mercados de venda da mão-de-obra cativa, na costa africana, assim como ao dinamismo e poder económico dos traficantes portugueses e à experiência comercial e de navegação dos mestres e pilotos das embarcações implicadas no tráfico. No plano estatal, a coroa tudo fez para dinamizar, organizar e controlar esse comércio, de que retirava vultosos rendimentos.
Bibliografia:
BRANDÃO, João (1916), “Majestade e grandeza de Lisboa em 1552”, Arquivo Histórico Português, v. XI, Lisboa: s.e.; FONSECA, Jorge (2010), Escravos e senhores na Lisboa quinhentista, Lisboa: Colibri; GODINHO, Vitorino Magalhães (1983), Os descobrimentos e a economia mundial, 2ª. Edição, v. 4, Lisboa: Presença; HEERS, Jacques (2004), Les négriers en terre d’Islam. La première traite des noirs. VII.e-XVI.e siècles, Paris: Perrin; PERES, Damião (1947), Regimento das Casas das Índias e Mina, Coimbra: Faculdade de Letras; SAUNDERS, A. C. de C. M. (1994), História social dos escravos e libertos negros em Portugal (1441-1555), Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda; VOGT, John L. (1973), “The Lisbon Slave House and african trade, 1486-1521”, Proceedings of the American Philosophical Society, v. 117, nº. 1, february