Data de publicação
2009
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Durante os séculos XVI e XVII, os pilotos e navegadores portugueses tiveram por hábito registar em cadernos, para seu uso pessoal, todas as informações de interesse náutico que chegavam ao seu conhecimento, embora algumas vezes com erros evidentes. Na sua forma mais completa, estas compilações incluem: regras para a navegação astronómica, com os respectivos regimentos do Sol, da Estrela Polar, do Cruzeiro do Sul e, em alguns casos, de outras estrelas a que se recorria na pilotagem; algumas noções elementares de cosmografia, ou um mais ou menos extenso questionário sobre elas; tábuas de declinações solares; dados sobre as marés e sobre o calendário; regras de navegação (nem sempre de aplicação segura); roteiros e também, eventualmente, diários de viagens, quase sempre abreviados. O mais antigo manuscrito deste tipo, que se encontra hoje depositado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, deve ter sido reunido por meados do século XVI, muito embora contenha textos de data bastante anterior, e foi editado em 1903 por Brito Rebelo; designou-o este historiador por «livro de marinharia» e atribuiu a compilação a João de Lisboa, por ele conter um texto que é expressamente apontado como obra deste piloto da primeira metade de Quinhentos. Daí em diante todos os manuscritos análogos passaram a receber a mesma designação, por parecer que ela era bastante expressiva; na falta de autor a quem pudessem em rigor ser atribuídos, consideraram-se suposta e expressamente devidos ao labor dos pilotos que com mais evidência são em cada caso referidos. Esta prática não teve de imediato a concordância explícita dos historiadores, mas é hoje usual. Assim, o primeiro Livro de Marinharia impresso continua a ser atribuído a João de Lisboa, embora sem contradita se saiba que este só é parcialmente responsável pelo «Tratado da agulha de marear», na compilação incluído, e não se ignora também que à data da relação do manuscrito já o piloto teria de há muito falecido. Adoptando estes procedimentos, outros livros de marinharia foram editados, o que nos permite encarar de uma perspectiva mais realista os conhecimentos náuticos dos marinheiros portugueses dos séculos XVI e XVII. De facto, estão publicados: O Livro de Marinharia de André Pires, editado por Luís de Albuquerque em Coimbra, 1963; o Livro de Marinharia de Manuel Álvares, editado pelo mesmo investigador em Coimbra, 1969, e o Livro de Marinharia de Gaspar Moreira, editado de Léon Bourdon e de Luís de Albuquerque, Lisboa, 1977. Estes são, até onde me é possível apreciar, os textos mais importantes deste género de literatura náutica portuguesa do século de Quinhentos. Terá de se juntar a eles ainda o Livro de Marinharia de Bernardo Fernandes, editado em Lisboa por Fontoura da Costa, em 1940, que tem relevância pelo conjunto de diários resumidos de viagens que insere, o Livro de Francisco Rodrigues, publicado em 1944 por Armando Cortesão, em Londres, como anexo, que está no códice, à Suma Oriental de Tomé Pires, e o Livro de Marinharia de Pêro Vaz Fragoso, estudado por Luís de Albuquerque, Lisboa, 1977. Está inédito um outro texto do mesmo tipo que existe na Biblioteca da Real Academia de la Historia de Madrid, sem que seja possível atribuir-lhe um provável autor, porque nenhum piloto é citado no contexto (v. Luís de Albuquerque, Estudos de História, vol. IV, pp. 349-361, Coimbra, 1976). Advirto, no entanto, que o Livro de Francisco Rodrigues é de somenos significado, muito embora contenha a cópia da tábua solar única de declinações, que só no Guia de Munique veio a ser impressa e de que se não conhece outra transcrição.
Artigo originalmente publicado no Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, dir. Luís de Albuquerque, e reproduzido por cortesia do Círculo de Leitores
Artigo originalmente publicado no Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, dir. Luís de Albuquerque, e reproduzido por cortesia do Círculo de Leitores