Data de publicação
2009
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Área Geográfica
Porto na costa de Moçambique, a sul da foz do rio Pungué, hoje submerso. Designação de origem árabe para referir a região de origem do ouro africano (Al-Mas'udi, sec.X), a zona comercial entre o Pungué e o Save (Al-Idrisi, sec. XII e Ibn Battuta, sec. XVI), a cidade (Yacut, sec. XIII) e porto (Al-Mahri, sec. XVI) de saída do ouro do interior.

Associada à existência e comércio do ouro, Sofala foi identificada pelos Portugueses como o seu porto de saída (Relação do Piloto Anónimo,1500). Ali chegavam mercadores muçulmanos que atravessavam o Índico para resgatar o ouro do Mwenemotapa por panos e contas da Índia. Sofala era fim de uma escala que tinha, em Quíloa, a metrópole islâmica que dominava o comércio no Índico africano.

A existência do ouro e o controlo do seu comércio foram decisivos para a criação de feitorias portuguesas na região; sendo que as informações sobre Sofala e a sua ligação com Quíloa, ditaram a sua localização. Supondo-se Sofala na dependência de Quíloa e ser aquela a razão do poder desta, em ambas se impunha a presença portuguesa. Em Sofala para se obter o ouro e, em Quíloa, para assegurar o seu comércio controlando o trato das mercadorias para o seu resgate.

No início do sec. XVI, Sofala dividia-se em 3 núcleos - Sangoé e Iangoé, junto ao Rio de Sofala (braço do Búzi, já desaparecido) e Inhansato, uma ilha fronteira à barra -, dependentes do Rei Yusuf, com quem Pedro de Anaia (1º Capitão de Sofala, Set. 1505 - Maio de 1506) negociou a construção da fortaleza.

A Fortaleza de Sofala, mais tarde de São Caetano (1761), surgiu longe das povoações, num promontório baixo e arenoso junto à barra, acessível ao fundeadouro e seguro para a construção dos armazéns, cisterna, hospital, igreja e demais instalações necessárias ao seu funcionamento. A uma construção inicial de madeira, que fez uso dos mangues (madeira de mangal, rija, resistente à água), das folhas de ola (palmeira) e dos saberes e mão-de-obra local juntaram-se, até 1507, as primeiras estruturas de pedra, a torre e a muralha que substituiu a tranqueira de madeira. A construção foi trabalho duro, moroso e dispendioso. Obrigou à vinda de cabouqueiros, pedreiros e carpinteiros do reino que viabilizassem um tipo de construção inexistente na região e envolvendo procedimentos e saberes desconhecidos das gentes locais; sendo que os materiais - pedra, ferragens, telhas -, porque escassos na região, vieram do reino ou de áreas próximas.

Por sua vez, do ponto de vista humano, implicou um esforço nunca compensado por um núcleo populacional significativo. A terra doentia e o abastecimento deficiente davam cabo dos homens, a botica do reino era inadequada para a cura dos males da terra (76 mortes Fev./Jun.1506), o número de efectivos da fortaleza era diminuto e o incentivo ao povoamento reduzido.

Também quanto ao acesso ao porto e às mercadorias, as dificuldades foram imediatas. O porto era perigoso, o ouro escasso, os lucros aquém das expectativas, as mercadorias do reino não tinham aceitação e a tentativa de substituir os mercadores mouros resultou no desviar dos seus circuitos habituais.

Previa-se que a manutenção do estabelecimento seria enorme, sendo melhor fixarem-se a Norte e descer a resgatar em Sofala, como faziam os mercadores da região.

Esta posição foi sendo defendida ao longo do tempo, matizada de nuances prevendo o seu arrendamento a particulares ou a sua exploração comercial aos mouros influentes na região, embora a coroa nunca as considerasse, mesmo após a construção de uma fortaleza em Moçambique (Fortaleza de S.Gabriel,1508).

Apostou-se no monopólio régio do comércio e depois no exclusivo dos privilégios da mercê do Capitão de Sofala. Entregue aos capitães, os rendimentos reais eram mínimos, quando não se apontavam apenas os prejuízos por contraponto aos lucros pessoais do Capitão. Pontualmente referia-se a importância de Sofala, como guardiã da porta sul de acesso às minas, e surgiam planos para o seu reforço. Contudo, também não tiveram eco na corte e será preciso chegar a 1860 para que, face ao estado da vila e fortaleza - comidas pelo mar e sem água potável -, se proceda à mudança da povoação e dos serviços administrativos para a Ilha de Chiloane, deixando-se um destacamento residual no que sobrava da fortaleza.

Porém, no sec.XVI, a Fortaleza de Sofala era tida como indispensável para bloquear o acesso dos mercadores mouros e constituía um aspecto essencial da presença portuguesa. Reflectindo os objectivos da coroa, a construção de uma feitoria-fortaleza evidenciava a diferença face ao sistema mercantil vigente na região e prenunciava alterações que iriam interferir no quotidiano das gentes locais e de quem com elas se relacionava.

Desde o século IX que Sofala e o seu hinterland integravam o complexo comercial do Índico, dominado por mercadores muçulmanos que estabeleciam redes mercantis na base de relações de parentesco que permitiam garantir a articulação entre os entrepostos costeiros, os reinos do interior e as cidades islâmicas do litoral Norte. Laços pessoais e grande mobilidade eram pilares fundamentais destas redes que dispensavam estruturas fixas e permanentes - como a do estabelecimento português - sobretudo em regiões que, do ponto de vista geo-climático, revelavam grande instabilidade e falta de condições para suportar o aumento de pressão humana que tais estruturas acarretariam. Conscientes desta diferença e das suas consequências para a região, os mouros mercadores lideraram os primeiros confrontos contra os portugueses em 1506. E mesmo depois de vencidos os que se opunham à presença Portuguesa e de algum êxito inicial da feitoria, o quotidiano das suas gentes foi ciclicamente perturbado pelo boicote, em particular à aquisição de mantimentos, que dificultava o seu funcionamento.

Tornou-se evidente que a viabilidade deste estabelecimento dependeria sobretudo de um jogo diplomático que pressupunha consensos e cedências; sendo o apoio e aceitação das chefias locais a principal garantia da sua existência. Por outro lado, a presença muçulmana era difícil de neutralizar e o quotidiano demonstrava a vantagem da sua colaboração, contrariando as determinações régias que impunham a sua substituição pelos portugueses. Estes aspectos, eram tanto mais relevantes porquanto, desde finais do sec.XV toda a região se ressentia da instabilidade política, social e económica decorrente da desagregação do Império do Mwenemotapa e das lutas que levaram à emergência de novos reinos, como o de Quiteve que se entrepunha entre aquele e a costa, e que determinaram a reestruturação das rotas mercantis regionais que tinham tido em Sofala, um dos seus portos principais. Estes factores, de par com as alterações físicas da costa decorrentes do assoreamento dos rios e do avanço das águas do mar, já tinham inviabilizado o porto de Sofala antes da chegada dos Portugueses e obrigado os mercadores a encontrar as rotas alternativas que, no sec. XVI, tornaram o Zambeze na principal via comercial da região. O crescimento da feitoria de Moçambique e dos estabelecimentos portugueses ao longo do Zambeze a partir dos anos 30, são a resposta portuguesa a estas alterações enquanto Sofala, encravada no Reino de Quiteve, perdia importância, reservando o seu papel ao apoio e controlo do trato no Canal de Moçambique.

Bibliografia:
Documentos sobre os Portugueses em Moçambique e na África Central (1497-1840), 9 vols., Lisboa, NARN / CEHU, 1962-1966. FELICIANO, J.Fialho e NICOLAU, V.Hugo (1998), Memórias de Sofala, Lisboa, CNCDP. ROQUE. A. Cristina (2004), Terras de Sofala: persistências e Mudança. Contribuições para a História da Costa Sul-Oriental de África nos séculos XVI-XVIII (Tese de Doutoramento, UNL, não editada).