Data de publicação
2009
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Povoação, posteriormente vila, situada na margem direita do rio Zambeze, na actual província de Tete, em Moçambique (16º 9'S, 33º 35' E). A capitania-mor aí sedeada abrangia uma vasta área (o distrito de Tete), que fazia parte do governo dos Rios de Cuama ou Rios de Sena, dependente da capitania de Moçambique.

O estabelecimento português foi erguido na terra do povo tonga, que na região de Tete se diferenciaria no grupo linguístico nhunguè (nyungwe). A principal unidade política da região era o "reino" de Inhambanzo (Nyambanzou), submetido pelo Monomotapa no século XV. Os onze chefes tongas que aceitaram a autoridade do mutapa (imperador) foram mantidos no poder.

No final do século XV, a região integrava a rede mercantil muçulmana que ligava as feiras do ouro do Monomotapa ao Índico através do rio Zambeze, disputando a primazia da rota que desembocava em Sofala. E foi a participação no comércio do ouro que atraiu os mercadores portugueses ao local, onde já existia provavelmente uma feira muçulmana. Conquanto alguns historiadores façam remontar a fundação da povoação portuguesa a 1530, ela foi certamente mais tardia, estando documentada desde 1561. Em 1572, Francisco Barreto, o governador e comandante da expedição enviada de Lisboa em 1569 para conquistar o Monomotapa, construiu aí o forte de Santiago, que em 1590 já era em pedra. Na sequência das negociações encetadas com o mutapa, este cedeu ao capitão do forte a chefia sobre aqueles onze chefes. Com a fundação do forte e a nomeação de capitães para o governar, Tete e o seu território passaram a integrar a administração portuguesa.

Durante o século XVII, Tete constituiu o estabelecimento português localizado mais a norte no rio Zambeze e o principal ponto de acesso às feiras do Monomotapa. As mercadorias adquiridas na feitoria de Sena eram transportadas pelo rio até Tete e daqui para as feiras do ouro fundadas ao longo dessa centúria, como Massapa, Luanze, Bokuto, Dambarare, Chipiriviri, Urupande, Matapfunya, Ongoé ou Maramuca. A localidade era também um importante centro da diplomacia portuguesa no sertão, donde partiam as embaixadas para o Monomotapa e onde eram acolhidos os enviados deste Estado. Com a expulsão dos portugueses do planalto karanga pelo changamira de Butua, na década de 1690, e a instabilidade política e militar instalada no Monomotapa nos anos seguintes, os mercadores de Tete redireccionaram parte das suas actividades para o território marave, a norte do Zambeze. Através da nova feira do Zumbo, continuaram a enviar caravanas africanas aos mercados a sul do rio, mas investiam cada vez mais na exploração de minas de ouro e nas feiras abertas no país marave, como as existentes em Maxinga, Bive, Mano e Mixonga.

A actividade dos moradores de Tete não se reduziu à participação no comércio e na mineração. Através das armas ou de tratados com os chefes africanos, dominaram largos tratos de terra. O mais emblemático desses acordos foi o celebrado em 1629 com o mutapa Mavhura, pelo qual, em troca de ajuda militar, este governante se reconheceu vassalo da coroa portuguesa e lhe cedeu um extenso território. A área da capitania-mor de Tete tinha como limite oriental a margem direita do Zambeze, entre o rio Luenha e o sul da Chicova. A sua fronteira ocidental, de configuração variável, alongava-se pelos rios Luenha, Mazoe e Luia, em direcção às feiras. Desde cerca de 1590, estas terras foram concedidas a súbditos portugueses, segundo o regime dos prazos da coroa. No século XVIII, grande parte do território situado nas fronteiras norte e leste de Tete foi ocupado pelas linhagens governantes ou dissidentes do Monomotapa ou foi abandonado pelos portugueses na sequência dos assaltos dos seus exércitos. Mas, com a expansão para o país marave, o território da capitania-mor alargou-se ao banco oriental do Zambeze, entre o rio Lulera e a margem direita do rio Mavudzi.

Constituindo a porta de entrada nas feiras do Monomotapa, Tete tornou-se um dos principais estabelecimentos portugueses nos Rios de Sena e o segundo em número de habitantes. Por volta de 1590, residiam aí cerca de 40 portugueses, além de cristãos da Índia e da terra. Na década de 1630, os portugueses seriam 50 e trinta anos depois à volta de 40. Mais do que qualquer outro centro urbano do vale do Zambeze, Tete estava exposta à hostilidade das chefaturas africanas limítrofes. Entre meados do século XVI e meados do século XVII, grupos de migrantes maraves, que tentavam fixar-se a sul do rio, atemorizaram não raro a povoação. Mas, a ameaça provinha sobretudo do Monomotapa, cujas linhagens combatiam frequentemente os moradores de Tete.

No início do século XVII, para além do forte de Santiago Maior erguido por Barreto, Tete era defendida por um muro com a altura de uma braça e um quarto e quase uma braça de espessura. Construído em pedra e terra amassada, comportava seis baluartes artilhados com falcões e meios-falcões. Cerca de 1686, no contexto do aumento das tensões com o Monomotapa e Butua, o governador de Moçambique, Caetano de Melo e Castro, reforçou a defesa da região, para o que foram enviados engenheiros e pedreiros de Goa. Tete foi novamente cercada com um muro de taipa com três baluartes de pedra, incluindo-se presumivelmente neste número o forte de Santiago. Foram ainda fabricados dois redutos, um quadrado e outro redondo, para cobrir a povoação em triângulo com o forte. Pouco depois, no contexto das ameaças do changamira de Butua às povoações dos Rios de Sena, esse sistema de fortificações foi reconstruído. As obras efectuadas em 1704, durante o governo de D. João Fernandes de Almeida, estiveram a cargo do engenheiro Francisco Pereira Valentão, um especialista em edificações de taipa enviado da Índia. As construções militares, como todos os edifícios existentes em Tete, usavam uma argamassa de terra, sem cal, que facilmente se arruinava com as chuvas. Por isso, era forçoso restaurá-las continuamente e, no caso dos muros, tapá-los com colmo durante as chuvas. Localizado junto ao rio, o forte era, ainda, arruinado pelas cheias. Até à década de 1760, o forte não dispunha de guarnição, estando incumbido da sua defesa o capitão-mor e juiz da povoação ou um condestável, que em caso de perigo convocavam os moradores e os seus escravos. A povoação situava-se entre montes, avultando a serra da Caroeira, a sul. As casas dos moradores espalhavam-se por elevações no espaço urbano, sem arruamentos regulares. Também erguidas em pedra unida com terra amassada, algumas habitações apresentavam uma cobertura de telha, enquanto as restantes usavam palha.

A população era servida por duas igrejas: uma, que servia de matriz, existente na casa conventual de S. Domingos e outra, a do Espírito Santo, na residência do mesmo nome dos jesuítas. A cerca de 30 km de distância, localizava-se outra freguesia, na igreja de Nª Sª da Assunção, anexa à casa dos jesuítas de Marangue. Porém, após a entrada dos jesuítas na região, em 1610, chegaram a existir mais quatro igrejas nas imediações: S. Pedro e S. Paulo, Madre de Deus, S. Miguel e Nª Sª dos Prazeres.

Na década de 1760, Tete assistiu a importantes mudanças no seu estatuto administrativo, que se reflectiram na configuração do espaço urbano. Conforme uma ordem régia de 1761, a povoação foi elevada a vila e foi estabelecido o senado da câmara, a 31 de Maio de 1764. Nesta altura, o capitão-mor e juiz foi substituído por um comandante. Logo depois, em 1767, o governador-geral Baltazar Pereira do Lago deslocou para aí a sede do governo dos Rios de Sena. A mudança visava responder à pressão militar dos karangas sobre os prazos da região e as caravanas comerciais que ligavam a vila à feira do Zumbo, ao mesmo tempo que os interesses dos moradores estavam cada vez mais associados ao território marave, a norte da nova capital.

Essa transferência foi acompanhada por um reforço da defesa da vila, que passou a dispor de duas companhias de infantaria. Em 1767, foi criada uma companhia de cipaios, transportados da Índia, enquanto a companhia de guarnição do forte de Sena foi transferida para a nova capital. Posteriormente desmobilizada, esta companhia foi substituída pela dos cipaios, então chamada da guarnição, com novos recrutas angariados na região ou enviados do reino, num total de 40 a 60 elementos. A companhia que transportava o presente anual ao mutapa, reunindo mais de 20 indivíduos, passou a ser requisitada para actuar nas guerras da região.

Com a nova situação administrativa, e sobretudo após a deslocação do governador-geral Baltazar Pereira do Lago à região, em 1771, foram executadas várias obras. O muro que cercava a vila sofreu uma profunda reconstrução, iniciada naquele ano, passando a ter duas portas. A obra foi começada pelo engenheiro António José de Melo, então nomeado governador dos Rios de Sena. Nesta altura, o forte, em paralelogramo, possuía quatro baluartes, cuja forma variou entre o cubo e a meia laranja. Dentro, estavam os quartéis e armazéns, construídos em 1785 pelo governador dos Rios de Sena, António de Melo e Castro. Próximo do forte, localizava-se uma tercena originalmente fabricada para alojar os cipaios. Depois, funcionou aí um hospital, no piso superior, enquanto a feitoria então criada, uma prisão e os armazéns foram instalados no piso térreo. Foram, ainda, construídos outros equipamentos, como uma casa para o governador dos Rios, um edifício para o senado da câmara e um arsenal. A população da vila cresceu, chegando a 789 habitantes cristãos, crianças incluídas, em 1794.

Devido às técnicas de construção utilizadas, a actual cidade de Tete revela poucos indícios dos edifícios anteriores ao final de Oitocentos, quando começou a ser usada cal. Mas, ainda conserva o forte de Santiago, reconstruído em 1942, conquanto a sua traça tivesse sido bastante adulterada em 1879. Duas lápides existentes em Tete testemunham a antiga história do forte: uma, encontrada na cidade em 1935, reporta-se ao baluarte construído por Caetano de Melo e Castro ("Na era de 1686 se alevantou este baluarte da envocasão de S. Tiago"); outra alude às obras realizadas por António de Melo e Castro ("Sendo governador dos Rios de Senna Antonio Manoel de Mello e Castro mandou fazer estes armazens e quarteis no anno de 1785").

Bibliografia:
ALBERTO, Manuel Simões, "A vila e praça de Tete", in Moçambique. Documentário Trimestral, nº 14, 1938. ALBERTO, Manuel Simões, "A evolução da construção civil em Tete", in Monumenta, nº 3, 1967. ANDRADE, A. A. Banha de (ed.), Relações de Moçambique Setecentista, Lisboa, AGU, 1955. MONTEZ, Caetano Carvalho, "Apontamentos para o roteiro dos monumentos militares portugueses. Praça de Santiago Maior", in Monumenta, nº 6, 1970. NEWITT, Malyn, A history of Mozambique, London, Hurst & Company, 1995.
 

Autoria da imagem
Eugénia Rodrigues
Legenda da imagem
Placa assinalando a construção dos armazéns do forte de Tete, em 1785, actualmente, na fortaleza de Maputo