Data de publicação
2009
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Período
Área Geográfica
É um enclave espanhol no Norte de África, com estatuto de cidade autónoma, junto ao Estreito de Gibraltar. Encontra-se próximo de Algeciras e da colónia Britânica de Gibraltar (ambas na margem oposta do Mediterrâneo). O seu nome é uma alteração do árabe Sebta cuja etimologia deriva do latim Septem Fratres, nome dado pelos Romanos às colinas nas quais a cidade foi edificada.

Fruto da sua localização, Ceuta sempre gozou de grande prosperidade. Devido à sua posição privilegiada foi sempre alvo de grande interesse tendo sido dominada por vários povos (Fenícios, Cartagineses, Romanos, Vândalos, Bizantinos). No início do século VIII foi ocupada pelas tropas árabes constituindo uma importante ponte de passagem para os exércitos que invadiram a Península Ibérica em 711.

A 21 de Agosto de 1415, a cidade de Ceuta foi conquistada pelos Portugueses. As razões que estiveram na origem desta empresa são, ainda hoje, tema controverso da historiografia portuguesa.

D. João I necessitava de uma acção tão grandiosa que fizesse olvidar o seu estigma de bastardia e, findada a guerra com Castela, a conquista do Algarve de além-mar afigurava-se como a melhor hipótese de afirmação de Portugal (para além de facilitar a manutenção da fronteira algarvia) e da sua nova dinastia. Era necessário conquistar novos territórios, em pontos estratégicos, que equilibrassem as forças existentes na Península Ibérica e, sobretudo, que contrabalançassem a relação de força entre Castela e Portugal.

Segundo o cronista Zurara a conquista de Ceuta foi sugerida pelo vedor da fazenda João Afonso de Alenquer. A sua escolha era baseada na atracção exercida pelos portos magrebinos, exportadores do ouro do Sudão e de outras riquezas africanas; Ceuta era um importante enclave que controlava o comércio do eixo entre o Mediterrâneo e o Atlântico. O projecto do vedor colheu apoio nos infantes D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique e ainda no irmão mais velho destes, o conde de Barcelos, homem viajado e conhecedor da situação internacional.

Com a conquista de Ceuta terminava também a urgência de ocupar a nobreza que constituíra a grande máquina de guerra das lutas contra Castela e que, encontrando-se desocupada e com um grave bloqueio social ameaçava sair do reino ou causar perturbações internas. Existia, obviamente, uma importante questão religiosa, a Europa vivia sob a égide de uma religião universalista com estímulos expansionistas que via na guerra contra o Islão o serviço de Deus.

O ataque a Ceuta foi preparado com grande antecedência e secretismo. Em 1411 D. João I pedira ao anti-papa João XXIII o auxílio das ordens militares para a guerra contra os muçulmanos. No ano seguinte, o prior do Hospital, D. Álvaro Gonçalves Camelo e o capitão Afonso Furtado foram enviados numa embaixada à Sicília cujo objectivo principal era passarem por Ceuta a fim de recolherem informações sobre as possibilidades de um ataque. Por esta altura começou também o frete das embarcações que iriam compor a frota de cerca de 15 galés e algumas fustas. Afim de encobrir os preparativos foram postos a circular falsos rumores, desde a organização de um grande torneio, onde o rei armaria cavaleiros os seus filhos, até um possível ataque português ao duque de Holanda (duque que participou nesta trama dispensando amargamente o embaixador português).

Os infantes foram responsáveis pelo recrutamento da população e de meios financeiros de Norte a Sul do país: o conde de Barcelos organizou os homens de Entre Douro e Minho, o infante D. Henrique os de Trás-os-Montes (estes partiriam do Porto) e o infante D. Pedro juntou os da Estremadura, Além Tejo e Guadiana e Algarve. Ao infante D. Duarte foi dado o governo do Reino de modo a que o rei se pudesse concentrar da preparação da frota e da artilharia.

A morte da rainha D. Filipa de Lencastre, de peste, antes da partida levou a que algumas vozes se levantassem contra a expedição. Contudo, o rei, após escutar o seu conselho, decidiu pela continuação da empresa. O desembarque em Ceuta deu-se a 21 de Agosto, sem grande perda de homens, já que os defensores não estavam preparados nem tinham gente suficiente para fazer face à máquina de guerra portuguesa.

Dias depois, após a missa ouvida na mesquita, convertida em igreja, o rei armou cavaleiros os infantes D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique.

Tendo o monarca decidido a manutenção da praça, após ter reunido com o seu conselho, colocava-se uma questão premente, quem seria o fronteiro deixado à frente da guarnição? D. João I propôs para o cargo o condestável D. Nuno Álvares Pereira, o marechal Vasquez Coutinho e D. Martim Afonso de Melo. Os três recusaram. A praça marroquina apresentava inúmeros perigos que os nobres portugueses não estavam dispostos a correr. No entanto, para D. Pedro de Meneses, Ceuta apresentou-se com uma aliciante oportunidade de reconstrução do prestígio perdido da sua linhagem.

D. Pedro de Meneses, no entanto, via na capitania uma tarefa aliciante, e como oportunidade de recuperar a sua honra e prestígio. A intervenção a seu favor de D. Lopo Dias de Sousa, mestre da Ordem de Cristo, e o apoio manifestado pelo infante D. Duarte (de quem D. Pedro era alferes) foram decisivos e D. Pedro de Meneses foi nomeado capitão de Ceuta.

O capitão detinha a administração da praça como se fosse o próprio rei, que lhe outorgou todo o seu poder, a jurisdição cível e crime, alta e baixa, mero e misto império, com a capacidade de aplicar penas até à morte, sem apelo nem agravo. Tinha também a capacidade de doar casas e terras na cidade de Ceuta e nas suas imediações que até à data não tivessem sido doadas pelo rei. Tinha direito ao quinto das cavalgadas e presas do mar.

Quando partiu, o rei prometeu voltar em Março do ano seguinte, o que nunca veio a acontecer. Na praça ficaram víveres necessários à manutenção nos primeiros tempos, a promessa de um regular abastecimento de mantimentos e uma guarnição composta por 2500 soldados.

Esta guarnição teve que aprender a lutar por um tipo de guerra muito diferente daquilo a que estava habituada. Em primeiro lugar foi necessário reforçar a defesa da cidade. A ocupação da praça limitou-se ao espaço intra-muros, sendo os arredores usados para recolher lenha, pastar gado e criar algumas pequenas zonas de cultivo, ainda que as colheitas fossem incertas, pois podiam ser destruídas ou roubadas pelos muçulmanos. Através de uma técnica chamada "segurar o campo", que consistia num complexo sistema de vigias e de batedores, era possível assegurar a segurança nas proximidades da praça durante o dia. O capitão, iniciou, também, uma politica de criar uma terra-de-ninguém à volta de Ceuta atacando sistematicamente as aldeias mais próximas.

A reacção do rei de Fez só se fez sentir três anos após a conquista portuguesa. Em 1418, Ceuta foi alvo de um duro cerco. Graças à intervenção da artilharia e à acção dos besteiros portugueses, o cerco só durou cinco dias. Em 1419 a praça foi novamente cercada, desta vez pelo rei de Granada. Avisado com antecedência, D. Pedro de Meneses conseguiu preparar a defesa da cidade e avisar D. João I para que este enviasse auxilio.

Apesar do êxito da conquista, Portugal cedo se percebeu quer era grande a dificuldade de manter uma colónia cristã em território muçulmano. O estado de guerra era permanente. A praça dependia inteiramente do reino para a sua manutenção e os custos humanos e materiais eram avultados sendo que abastecimento de cereais foi, frequentemente, dado a contratadores portugueses e estrangeiros que iam buscar o trigo a Castela, à Sicília e a outros lugares.

Após a conquista de Ceuta em 1415, os portugueses apenas voltaram a atacar território marroquino em 1437, na desastrosa expedição a Tânger. No período que separou as duas empresas, a presença portuguesa em Ceuta e a continuação da conquista do Norte de África (ou Granada) foram discutidas pela família real, em conselhos enviados ao infante D. Duarte. Nestes conselhos, transparece a ideia de que Ceuta, único ponto da cristandade em território mouro, era considerado um sorvedouro de gente e dinheiro e que o reino não teria condições de manter outra praça nas mesmas condições.

Após o desastre de Tânger, a entrega de Ceuta foi a condição exigida pelos muçulmanos para a libertação do infante D. Fernando. A posição da cidade só foi consolidada após a conquista de Alcácer-Ceguer, em 1458 e de Arzila e Tânger em 1471.

Durante a dinastia Filipina (de 1581 a 1640) Ceuta, tal como Tânger e Mazagão, manteve a administração portuguesa. Contudo, em 1640, aquando da restauração portuguesa, a praça não reconheceu como rei o duque de Bragança, D. João II, ficando sob domínio espanhol.

Em 1668, no Tratado de Lisboa, os dois países oficializaram a situação da cidade, que passou a ser uma possessão espanhola. Ainda hoje Ceuta mantém a bandeira original, de gomos brancos e pretos (como a lisboeta) com o escudo real português no centro.

Bibliografia:
BRAGA, Isabel R. Mendes Drumond; BRAGA, Paulo Drumond, Ceuta Portuguesa, Ceuta, Instituto de Estudios Ceutíes, 1998. BRAGA, Paulo Drumond, «A Expansão no Norte de África», in Nova História da Expansão Portuguesa, dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Vol. II, A Expansão Quatrocentista, Editorial Estampa, 1998, pp. 237-360. DUARTE, Luís Miguel, «África», in Nova História Militar de Portugal, dir. de Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, vol. I, Lisboa, Circulo de Leitores, 2003, pp. 392-441. CARO, Lucas, Historia de Ceuta, transcrição, introdução e notas de José Luís Gomuz Barceló, Ceuta, Ayuntamiento de Ceuta, 1989. MASCARENHAS, Jerónimo de, Historia de la Ciudad de Ceuta, Málaga/Ceuta, Instituto de Estudios Ceutís, 1995.