Data de publicação
2009
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D. Duarte nasceu em Viseu, a 31 de Outubro de 1391, e faleceu em Tomar, a 13 de Setembro de 1438; era o segundo filho varão de D. João I e de D. Filipa de Lencastre. Em 1400, com a morte de D. Afonso, seu irmão mais velho, tornou-se no herdeiro do trono português.
D. Duarte participou activamente nas manobras políticas e nos preparativos da expedição contra Ceuta. Esta resultou de motivações diversas, de ordem política, económica, social e religiosa, que congregaram gentes com interesses variados num objectivo comum. Os infantes buscavam uma forma de se afirmarem social e politicamente, numa corte em que ponderavam ainda os heróis de Aljubarrota e seu meio-irmão, D. Afonso, o conde de Barcelos (e futuro duque de Bragança), que havia sido armado cavaleiro pelo pai, em 1398, após a conquista de Tui. A obtenção da cavalaria durante festejos luzidios mas inócuos não podia agradar a D. Duarte e seus irmãos, pelo que a sua voz cedo se juntou às dos que propuseram o ataque a Ceuta. No ataque a Ceuta, o rei procurou resguardar o seu herdeiro e ordenou que a primeira vaga de assalto fosse comandada pelo infante D. Henrique, mas quando este corria pela praia junto com seus homens, encontrou a seu lado D. Duarte que desrespeitara a vontade régia para sua própria satisfação. Foi sob o comando de D. Duarte que as primeiras forças portuguesas franquearam as portas de Ceuta, e Zurara mostra claramente que coube ao herdeiro da Coroa a chefia das operações o que terá provocado, aliás, o amuo de D. Henrique que se afastou de seu irmão para tentar uma bravata inconsequente junto ao castelo da cidade. No final das operações D. Duarte foi armado cavaleiro junto com seus irmãos.
Ainda antes da expedição, D. Duarte fora associado ao governo do reino por seu pai, e nos 18 anos subsequentes continuou a assegurar o controlo de grande parte da vida administrativa da monarquia em nome de seu pai. D. Duarte casou a 22 de Setembro de 1428, em Coimbra, com D. Leonor, irmã do rei Afonso V de Aragão. Depois da jornada vitoriosa de 1415, D. João I alimentou o sonho de regressar a África ou de participar na conquista de Granada, mas a tensão que subsistia nas relações luso-castelhanas sempre o impediu de cumprir esse desiderato. Após a celebração das pazes definitivas com Castela, em Janeiro de 1432, D. Duarte conduziu nova ronda de consultas sobre a hipótese de se lançar novo ataque contra os muçulmanos. O facto de ter solicitado pareceres significa que não recusava liminarmente a ideia, ao contrário de muitos dos seus familiares. D. João I faleceu na noite de 13 para 14 de Agosto de 1433, e na preparação das cerimónias fúnebres o novo rei deu ordens para que nos sermões fosse recordado o facto de que D. João I sempre desejara prosseguir a guerra santa.
Pouco depois de subir ao trono, logo a 25 e 26 de Setembro de 1433, D. Duarte confirmou todas as doações régias que seu pai outorgara ao infante D. Henrique, e o novo rei acrescentou algumas doações novas de que a mais relevante, no que respeita à Expansão Portuguesa, foi a doação do arquipélago da Madeira. Por essa via, D. Duarte criava um modelo de expansão territorial ultramarina que continuaria a ser adoptado pela Coroa durante décadas a fio - o sistema das donatarias. As ilhas passariam a ser administradas pelo donatário, a quem cabia nomear os oficiais que as governavam in loco, estabelecer os impostos e recolhê-los; a coroa mantinha apenas a soberania consubstanciada na proibição do donatário cunhar moeda e de exercer a justiça suprema (pena de morte e de talhamento de membros) que continuava sob a alçada régia. Pouco depois, em 1434, Gil Eanes ultrapassou o cabo Bojador e iniciou os Descobrimentos, mas desconhece-se se o monarca se apercebeu do facto e se lhe atribuiu alguma importância - as descobertas só viriam a ser matéria de estado, após a intervenção de D. Pedro em 1443, quando o regente outorgou a D. Henrique o exclusivo da navegação a Sul do Bojador, a título vitalício.
D. Duarte tinha junto de si dois irmãos que eram fervorosos partidários da expansão militar contra os mouros - o infante D. Henrique, porque era verdadeiramente obcecado pela guerra santa, e o infante D. Fernando porque se sentia insatisfeito com o seu estado e com o facto de nunca ter participado numa campanha militar ao cabo de mais de 30 anos de vida. Depois de muitas hesitações, D. Duarte acordou com a organização de uma nova expedição contra o reino de Fez e convocou as cortes para Évora, em Março de 1436, para obter os impostos extraordinários que seriam necessários para financiar a armada.
No entanto, poucos dias antes dessa reunião, D. Duarte estabeleceu um acordo especial com o infante D. Henrique. Reunidos em Estremoz, os dois irmãos decidiram que pequeno infante D. Fernando (o filho mais novo de D. Duarte) seria perfilhado pelo infante D. Henrique e se tornaria no herdeiro da Casa de Viseu. Num texto escrito por sua própria mão, D. Henrique declarou que não desejava casar e, consequentemente, abdicava de vir a ter descendência legítima e, por isso, adoptava D. Fernando por seu filho. De seguida, D. Duarte escreveu no mesmo pergaminho que dava seu assentimento aos desejos de seu irmão. D. Duarte assegurava, assim, o destino de seu filho mais novo sem custos acrescidos para o erário régio e D. Henrique obtinha finalmente o tão desejado comando para a guerra santa. Além de ter conseguido manobrar a seu favor os ímpetos de D. Henrique (não esquecendo que D. Duarte era favorável ao prosseguimento da guerra em África), o rei procurava responder também à pressão diplomática de Castela que tentava então, junto da Santa Sé, obter o reconhecimento papal de que só a monarquia castelhana tinha legitimidade para atacar os mouros em África. Urgia que Portugal interviesse como forma de evitar uma situação de bloqueio estratégico.
D. Duarte deixou nos seus apontamentos o registo das razões porque decidiu enviar esta expedição: além de honrar a memória do pai, procurava manter o seu exército ocupado, prestigiado e treinado para o caso de ter que defender o próprio reino; assegurava também que a nobreza podia exercer o seu mester, no que tinha como principal exemplo seu irmão mais novo. Finalmente procurava, assim, garantir a neutralidade de Portugal no contexto da Cristandade, pois a luta contra os mouros permitir-lhe-ia escusar-se a pedidos de aliança que pudessem ser feitos por seus aliados.
Os preparativos da missão arrastaram-se até ao verão de 1437, mas a coroa não foi capaz de mobilizar os 14.000 homens de armas que havia previsto. D. Duarte não participou na expedição e recebeu depois as notícias do desastre militar, a que se acrescentou a tragédia familiar, pois o preço pago pelos portugueses para a retirada foi a entrega de D. Fernando como penhor da devolução de Ceuta.
A partir de então D. Duarte procurou encontrar uma solução para o drama do irmão, mas as forças vivas do reino foram incapazes de chegar a um entendimento: uma parte da nobreza e dos concelhos era favorável à devolução de Ceuta para resgatar o infante D. Fernando, mas outros concelhos, nomeadamente o Porto, Lisboa e as câmaras algarvias eram contra a entrega da cidade africana junto com clérigos e uma outra facção da nobreza. Perdido entre estas duas correntes de opinião D. Duarte não foi capaz de tomar uma decisão, e entretanto adoeceu e faleceu subitamente.
O facto de não ter apoiado deliberadamente os que defendiam a entrega de Ceuta é, certamente, o melhor exemplo de que o monarca era um adepto das conquistas em Marrocos, pelo que a sua decisão de enviar a expedição em 1437 não decorreu apenas da pressão de seus irmãos, mas também de sua própria vontade; por outro lado, deve-se reconhecer que os preparativos dessa expedição foram mal organizados e que depois o rei não teve força política ou anímica para impedir a partida do reduzido corpo expedicionário que acompanhou os dois infantes na jornada inglória.
Bibliografia:
COSTA, João Paulo Oliveira e, Henrique, o Infante, Lisboa, Esfera dos Livros, 2009. Duarte, Luís Miguel, D. Duarte, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005. RUSSELL, Peter, Henrique, o Navegador, Lisboa, Livros Horizonte, 2004 (original, 2000). THOMAZ, Luís Filipe, "A evolução da política expansionista portuguesa na primeira metade de Quatrocentos" in De Ceuta a Timor, Carnaxide, Difel, 1994, pp. 43-147. SANTOS, Domingos Maurício Gomes dos, D. Duarte e as responsabilidades de Tânger (1433-1438), Lisboa, 1960.
D. Duarte participou activamente nas manobras políticas e nos preparativos da expedição contra Ceuta. Esta resultou de motivações diversas, de ordem política, económica, social e religiosa, que congregaram gentes com interesses variados num objectivo comum. Os infantes buscavam uma forma de se afirmarem social e politicamente, numa corte em que ponderavam ainda os heróis de Aljubarrota e seu meio-irmão, D. Afonso, o conde de Barcelos (e futuro duque de Bragança), que havia sido armado cavaleiro pelo pai, em 1398, após a conquista de Tui. A obtenção da cavalaria durante festejos luzidios mas inócuos não podia agradar a D. Duarte e seus irmãos, pelo que a sua voz cedo se juntou às dos que propuseram o ataque a Ceuta. No ataque a Ceuta, o rei procurou resguardar o seu herdeiro e ordenou que a primeira vaga de assalto fosse comandada pelo infante D. Henrique, mas quando este corria pela praia junto com seus homens, encontrou a seu lado D. Duarte que desrespeitara a vontade régia para sua própria satisfação. Foi sob o comando de D. Duarte que as primeiras forças portuguesas franquearam as portas de Ceuta, e Zurara mostra claramente que coube ao herdeiro da Coroa a chefia das operações o que terá provocado, aliás, o amuo de D. Henrique que se afastou de seu irmão para tentar uma bravata inconsequente junto ao castelo da cidade. No final das operações D. Duarte foi armado cavaleiro junto com seus irmãos.
Ainda antes da expedição, D. Duarte fora associado ao governo do reino por seu pai, e nos 18 anos subsequentes continuou a assegurar o controlo de grande parte da vida administrativa da monarquia em nome de seu pai. D. Duarte casou a 22 de Setembro de 1428, em Coimbra, com D. Leonor, irmã do rei Afonso V de Aragão. Depois da jornada vitoriosa de 1415, D. João I alimentou o sonho de regressar a África ou de participar na conquista de Granada, mas a tensão que subsistia nas relações luso-castelhanas sempre o impediu de cumprir esse desiderato. Após a celebração das pazes definitivas com Castela, em Janeiro de 1432, D. Duarte conduziu nova ronda de consultas sobre a hipótese de se lançar novo ataque contra os muçulmanos. O facto de ter solicitado pareceres significa que não recusava liminarmente a ideia, ao contrário de muitos dos seus familiares. D. João I faleceu na noite de 13 para 14 de Agosto de 1433, e na preparação das cerimónias fúnebres o novo rei deu ordens para que nos sermões fosse recordado o facto de que D. João I sempre desejara prosseguir a guerra santa.
Pouco depois de subir ao trono, logo a 25 e 26 de Setembro de 1433, D. Duarte confirmou todas as doações régias que seu pai outorgara ao infante D. Henrique, e o novo rei acrescentou algumas doações novas de que a mais relevante, no que respeita à Expansão Portuguesa, foi a doação do arquipélago da Madeira. Por essa via, D. Duarte criava um modelo de expansão territorial ultramarina que continuaria a ser adoptado pela Coroa durante décadas a fio - o sistema das donatarias. As ilhas passariam a ser administradas pelo donatário, a quem cabia nomear os oficiais que as governavam in loco, estabelecer os impostos e recolhê-los; a coroa mantinha apenas a soberania consubstanciada na proibição do donatário cunhar moeda e de exercer a justiça suprema (pena de morte e de talhamento de membros) que continuava sob a alçada régia. Pouco depois, em 1434, Gil Eanes ultrapassou o cabo Bojador e iniciou os Descobrimentos, mas desconhece-se se o monarca se apercebeu do facto e se lhe atribuiu alguma importância - as descobertas só viriam a ser matéria de estado, após a intervenção de D. Pedro em 1443, quando o regente outorgou a D. Henrique o exclusivo da navegação a Sul do Bojador, a título vitalício.
D. Duarte tinha junto de si dois irmãos que eram fervorosos partidários da expansão militar contra os mouros - o infante D. Henrique, porque era verdadeiramente obcecado pela guerra santa, e o infante D. Fernando porque se sentia insatisfeito com o seu estado e com o facto de nunca ter participado numa campanha militar ao cabo de mais de 30 anos de vida. Depois de muitas hesitações, D. Duarte acordou com a organização de uma nova expedição contra o reino de Fez e convocou as cortes para Évora, em Março de 1436, para obter os impostos extraordinários que seriam necessários para financiar a armada.
No entanto, poucos dias antes dessa reunião, D. Duarte estabeleceu um acordo especial com o infante D. Henrique. Reunidos em Estremoz, os dois irmãos decidiram que pequeno infante D. Fernando (o filho mais novo de D. Duarte) seria perfilhado pelo infante D. Henrique e se tornaria no herdeiro da Casa de Viseu. Num texto escrito por sua própria mão, D. Henrique declarou que não desejava casar e, consequentemente, abdicava de vir a ter descendência legítima e, por isso, adoptava D. Fernando por seu filho. De seguida, D. Duarte escreveu no mesmo pergaminho que dava seu assentimento aos desejos de seu irmão. D. Duarte assegurava, assim, o destino de seu filho mais novo sem custos acrescidos para o erário régio e D. Henrique obtinha finalmente o tão desejado comando para a guerra santa. Além de ter conseguido manobrar a seu favor os ímpetos de D. Henrique (não esquecendo que D. Duarte era favorável ao prosseguimento da guerra em África), o rei procurava responder também à pressão diplomática de Castela que tentava então, junto da Santa Sé, obter o reconhecimento papal de que só a monarquia castelhana tinha legitimidade para atacar os mouros em África. Urgia que Portugal interviesse como forma de evitar uma situação de bloqueio estratégico.
D. Duarte deixou nos seus apontamentos o registo das razões porque decidiu enviar esta expedição: além de honrar a memória do pai, procurava manter o seu exército ocupado, prestigiado e treinado para o caso de ter que defender o próprio reino; assegurava também que a nobreza podia exercer o seu mester, no que tinha como principal exemplo seu irmão mais novo. Finalmente procurava, assim, garantir a neutralidade de Portugal no contexto da Cristandade, pois a luta contra os mouros permitir-lhe-ia escusar-se a pedidos de aliança que pudessem ser feitos por seus aliados.
Os preparativos da missão arrastaram-se até ao verão de 1437, mas a coroa não foi capaz de mobilizar os 14.000 homens de armas que havia previsto. D. Duarte não participou na expedição e recebeu depois as notícias do desastre militar, a que se acrescentou a tragédia familiar, pois o preço pago pelos portugueses para a retirada foi a entrega de D. Fernando como penhor da devolução de Ceuta.
A partir de então D. Duarte procurou encontrar uma solução para o drama do irmão, mas as forças vivas do reino foram incapazes de chegar a um entendimento: uma parte da nobreza e dos concelhos era favorável à devolução de Ceuta para resgatar o infante D. Fernando, mas outros concelhos, nomeadamente o Porto, Lisboa e as câmaras algarvias eram contra a entrega da cidade africana junto com clérigos e uma outra facção da nobreza. Perdido entre estas duas correntes de opinião D. Duarte não foi capaz de tomar uma decisão, e entretanto adoeceu e faleceu subitamente.
O facto de não ter apoiado deliberadamente os que defendiam a entrega de Ceuta é, certamente, o melhor exemplo de que o monarca era um adepto das conquistas em Marrocos, pelo que a sua decisão de enviar a expedição em 1437 não decorreu apenas da pressão de seus irmãos, mas também de sua própria vontade; por outro lado, deve-se reconhecer que os preparativos dessa expedição foram mal organizados e que depois o rei não teve força política ou anímica para impedir a partida do reduzido corpo expedicionário que acompanhou os dois infantes na jornada inglória.
Bibliografia:
COSTA, João Paulo Oliveira e, Henrique, o Infante, Lisboa, Esfera dos Livros, 2009. Duarte, Luís Miguel, D. Duarte, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005. RUSSELL, Peter, Henrique, o Navegador, Lisboa, Livros Horizonte, 2004 (original, 2000). THOMAZ, Luís Filipe, "A evolução da política expansionista portuguesa na primeira metade de Quatrocentos" in De Ceuta a Timor, Carnaxide, Difel, 1994, pp. 43-147. SANTOS, Domingos Maurício Gomes dos, D. Duarte e as responsabilidades de Tânger (1433-1438), Lisboa, 1960.
Autoria da imagem
Alexandra Pelúcia