O Japão (em japonês Nihon-koku ou Nippon-koku , literalmente, o país de origem do sol) é um arquipélago da Ásia Oriental, composto por quase 7.000 ilhas e situado a 36ºN e a 138ºE. As suas maiores ilhas são, de norte para sul, Hokkaidō, Honshū, Shikoku e Kyūshū. Em tempos remotos era chamado Yamato (nome derivado do facto de as suas regiões centrais serem governadas, até ao século VIII, pela família Yamato, um clã que se diz descender da deusa do sol, Amaterasu Oomikami, que governou desde 660, altura em que o primeiro imperador, Jinmu, desceu dos céus). Porém, a partir da Era de Nara (710-784), o país começou a ser chamado Nippon ou Nihon.
Do final do século XII à segunda metade do século XIX existiram no Japão dois tipos de monarcas: os tennō (normalmente traduzido como «imperador»), sucessores oficiais de Amaterasu e os seii taishōgun (geralmente na forma abreviada shōgun e traduzido como «grande general apaziguador dos bárbaros»). Na década de 1190 os shōgun estabeleceram uma nova estrutura política mais forte e que permaneceu sob as ordens da corte por mera formalidade – o bakufu (literalmente, «governo de tenda») – tornando-se, deste modo, militares e, fundamentalmente, o verdadeiro governo do Japão.
A primeira referência ao Japão, nas fontes históricas europeias, remonta ao século XIII (Il Milione de Marco Polo) enquanto que, em 1514, Tomé Pires (Summa Oriemtall) foi o primeiro português que o mencionou. Foram, todavia, os portugueses os primeiros europeus a pisar o solo japonês, exatamente a 23 de Setembro de 1543, de acordo com uma crónica japonesa (Teppōki, 1594-1614). Os comerciantes portugueses chegaram a Tanegashima, uma ilha no sul de Kyūshū, num período de anarquia política, a era dos reinos combatentes (Sengoku jidai, 1467-1573), do qual emergiram três daimyos (senhores feudais), que atualmente são considerados os unificadores do Japão: Oda Nobunaga (1534-1582), Toyotomi Hideyoshi (1536-1598) e Tokugawa Ieyasu (1542?-1616). Foram necessários quase 30 anos para unificar o país: da batalha de Nagashino (1575) – na qual os exércitos de Oda, munidos de mosquetes, derrotaram os guerreiros a cavalo de Takeda – à fundação da última dinastia shogunal, os Tokugawa, em 1603. A batalha de Nagashino é de grande relevância na história das relações luso-japonesas, dado que foi a primeira batalha em que o uso de armas de fogo foi decisivo. As espingardas tinham sido introduzidas pelos portugueses apenas 30 anos antes e, num lapso de tempo tão curto, deram um novo rumo à guerra, bem como à história do Japão. Além das armas de fogo, os portugueses também levaram para o Japão a sua fé (a chegada a Kagoshima do primeiro Jesuíta, Francisco Xavier, data de 15 de Agosto de 1549). No Japão, como na Índia portuguesa, os destinos dos comerciantes portugueses e missionários cristãos estavam interligados. No Japão, em especial, depois de a China cortar relações devido às depredações piratas, as naus portuguesas surgem como transportadoras perfeitas de seda continental para Kyūshū e os daimyos que acolhiam estes navios estabeleceram compromissos com os Jesuítas. Estes tentaram manipular as decisões relativas ao atracar dos navios, a favor da evangelização. A fragmentação política e sincretismo religioso do Japão, bem como o gosto pela inovação, criaram condições favoráveis à propagação da fé cristã. Embora a conversão do poderoso Ōmura Sumitada (1533-1587) não tivesse de forma alguma sido rápida, ele já tinha sido batizado em 1563 e Ōtomo Sōrin Yoshishige (1530-1587) em 1578. Deve-se, porém, sublinhar um factor importante: os missionários não recorreram apenas a argumentos religiosos para conseguirem o favor do daimyō . De facto, os Jesuítas importaram para o Japão, quase na sua totalidade, o conjunto de conhecimentos europeu. Nessa ocasião, pela primeira vez, o Japão entrou em contacto com o pensamento científico do Ocidente (matemática, física, astronomia, gnomónica, engenharia, etc.), técnicas artísticas (pintura a óleo, perspetiva, claro-escuro, arquitetura, etc.) e, também, a gastronomia portuguesa.
Apesar da conversão de alguns senhores feudais, os anos de 1570 foram um período positivo para a Sociedade de Jesus, dado que a estratégia militar de Nobunaga incluía também a aniquilação dos oponentes dos Jesuítas: os monges budistas de Enryakuji e de Ishiyama Honganji. Todavia, este período de apoio político acabou com a traição e morte de Oda, às mãos de um dos seus generais (1582), um assassínio que foi vingado por Toyotomi Hideyoshi poucos dias depois. Os padres perderam um apoiante muito poderoso, mas Hideyoshi, inicialmente, manteve uma atitude semelhante à de Oda. Mesmo assim, a situação deteriorou-se: em 1587 Hideyoshi, que era então o regente imperial (kanpaku ), começou a temer que as atividades dos Jesuítas em Kyūshū fossem uma potencial ameaça. De facto, para além de converterem a população, os missionários estavam a destruir os santuários Shintō e templos budistas, tendo-se tornado, basicamente, senhores do porto de Nagasaki – a cidade tinha-lhes sido concedida por Ōmura Sumitada em 1570 – o que lhes permitia funcionar como intermediários no comércio do ouro e da prata, traficando em frações das naus portuguesas. Por conseguinte, o kanpaku emitiu o primeiro decreto anticristão, tornando a «questão cristã» num problema nacional, ou seja, decretou que a fé cristã não deveria continuar a ser pregada em solo japonês. Por consequência, todos os missionários deveriam ser expulsos em vinte cinco dias. Contudo, os comerciantes portugueses não foram incluídos na ordem de expulsão.
As diretivas não foram implementadas imediatamente e os padres foram autorizados a ficar no Japão, embora tivessem que ser mais cuidadosos nas suas atividades. Com a capitulação de Hōjō Ujimasa em 1590, as campanhas internas de Hideyoshi praticamente terminaram. Não lhe restando mais nada para conquistar no Japão, o kanpaku voltou-se para o continente. Organizou duas expedições (1592 e 1597) numa tentativa de conquistar a China, passando pela Coreia. Hideyoshi era motivado por interesses económicos – continuar o comércio oficial autorizado com a China e conseguir as províncias do sul da Coreia – e pessoais, dado que tentava estabelecer um império. Não conseguiu alcançar nenhum destes objetivos. Além disso, o ano da segunda campanha é também lembrado, devido ao incidente causado pelo galeão espanhol San Felipe e pela execução de vinte e seis cristãos em Nagasaki, os primeiros mártires do Japão. As execuções foram um ato de reparação, represálias contra uma igreja militante e não o princípio de uma perseguição geral: os missionários foram autorizados a ficar no Japão e o comércio não foi afetado de todo.
Em 1598 Hideyoshi morreu, deixando o reino aos seus cinco tairō (Anciãos), entre os quais se contava Tokugawa Ieyasu, que, depois da campanha vitoriosa concluída com a batalha de Sekigahara (1600), fundou os Tokugawa bakufu (1603-1867). Com o governo de Ieyasu, a missão cristã beneficiou de uma década de «águas paradas», mas foi apenas uma questão de tempo até à sua expulsão permanente. Inicialmente os bakufu toleraram a presença dos padres porque, em geral, se pensava que, sem os missionários, a Nau do Trato deixaria de vir ao Japão. Contudo, um problema de corrupção no governo da casa de Tokugawa, em que os cristãos desempenharam um papel ativo, alterou a situação por completo. Três homens desencadearam este escândalo, o daimyō cristão Arima Harunobu (1567-1612) e um ajudante do rojū (conselheiro) de Ieyasu, Honda Masazumi (1565-1637), bem como Okamoto Daihachi, que também era cristão. Pela sua parte no incidente, Harunobu foi exilado e depois sentenciado à morte. Subsequentemente, o bakufu proibiu a fé cristã nos domínios shogunais e os seguidores de Tokugawa tomaram a mesma medida. O que tinha mudado, em comparação com o período do governo de Hideyoshi foi que, por esta altura, Portugal estava a perder o monopólio do comércio com o Japão. Os espanhóis já lá tinham chegado antes do século XVII; os holandeses chegaram em 1600 e, em 1609, a Companhia Holandesa das Índias Orientais recebeu autorização shogunal para negociar em Nagasaki. Em 1613 a Inglaterra estabeleceu um posto comercial em Hirado. Por este motivo, o bakufu arriscou-se a ver-se livre de Portugal. O raciocínio que fundamentou a expulsão – exposto por um monge Zen em Fevereiro de 1614 – começa pelo ditado tradicionalista padrão: «O Japão é a terra dos kami (divindades dos Shintō )», declarando depois que os cristãos tentavam «tomar posse do Japão». Desta vez, também se esclareceu a diferença entre os missionários e os comerciantes portugueses. Foi por este motivo que os padres que permaneceram no Japão ilegalmente começaram a vestir-se como fidalgos, evitando assim as autoridades de Nagasaki. Os cristãos, porém, tinham ainda um poderoso aliado do seu lado: o filho de Hideyoshi, Toyotomi Hideyori. O herdeiro do Kanpaku começou a ser simpatizante com a fé ocidental a partir de 1610 e o seu exército enquadrava vários capitães cristãos. Porém, a batalha final no castelo de Ōsaka (1615) resultou na vitória de Ieyasu.
Em 1616, o bakufu tinha limitado o comércio europeu a Nagasaki e a Hirado, a pequena ilha meridional. Ieyasu morreu no mesmo ano, mas os seus sucessores, Hidetada e Iemitsu, iniciaram e formalizaram o processo que resultaria na intensificação dos martírios e no semi-encerramento do país. Apesar de, por volta da década de 1620, os comerciantes portugueses terem parado de introduzir missionários no Japão, continuaram a oferecer-lhes acomodações e a manter ativa a troca de correspondência. Esta ajuda provocou problemas nas relações luso-japonesas e, além disso, os portugueses estavam prestes a perder os seus privilégios no comércio da seda, a favor dos holandeses.
Foi durante o shogunado de Iemitsu (1623-1645) que a situação foi resolvida definitivamente. Em 1633, Iemitsu proibiu os japoneses de deixarem o país e, no ano seguinte, o bakufuassumiu controlo do monopólio do comércio estrangeiro, concentrando as atividades de entrada de comércio na ilha artificial de Deshima, em Nagasaki (1636). Em 1637, uma revolta dos camponeses em Shimabara, cristãos na sua maioria, pôs fim à presença portuguesa no Japão. Os holandeses foram autorizados a ficar em Deshima, dado que não tinham tentado converter os japoneses e davam apoio militar às tropas shogunais. Deste modo, em 1639 ordenou-se aos portugueses que deixassem o Japão e esta diretiva foi implementada no ano seguinte, com o massacre de praticamente todos os membros da embaixada portuguesa enviada de Macau para reestabelecer relações com o Japão.
Bibliografia:
COSTA, João Paulo Oliveira e, O Cristianismo no Japão e o Episcopado de D. Luís de Cerqueira, dissertação de doutoramento em História apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1998 (texto fotocopiado). SCHURHAMMER, Georg, O Descobrimento do Japão pelos Portugueses no Ano de 1543, Orientalia, Bibliotheca Instituti Historici S. I. vol. XXI, Roma-Lisboa, 1963, 485-580. Whitney Hall, John (ed.), McClain, James (ass.), The Cambridge History of Japan, Vol. 4: Early Modern Japan, Cambridge University Press, 1991.
Traduzido de inglês por: Maria João Pimentel
Data de publicação
2010
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Autoria da imagem
Manuel Magalhães
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Myajima, Japão