Data de publicação
2009
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Vice-rei da Índia (1597-1600; 1622-1628) e 4º conde da Vidigueira.

Nascido em 1565, D. Francisco da Gama foi o segundo filho de D. Vasco da Gama, 3º conde da Vidigueira, e de D. Maria de Ataíde, sexta filha de D. António de Ataíde, 1º conde da Castanheira. Pela via parterna, era bisneto do famoso almirante D. Vasco da Gama, que chegou à Índia em 1498 e que foi o 1º conde daquela Casa. Dos seus muitos irmãos e irmãs contaram-se: o primogénito D. António da Gama que foi franciscano; D. Luís da Gama, que o acompanhou à Índia no seu primeiro vice-reinado; D. João da Gama, bispo de Miranda; e várias irmãs freiras no Convento da Castanheira, devido à ligação àquela Casa. Aos treze anos, D. Francisco da Gama acompanhou o seu pai à Alcácer Quibir, onde este faleceu e ele próprio ficou cativo. Logrando regressar ao Reino, recebeu confirmação do título de 4º conde da Vidigueira em 1583. Pouco depois, e ainda antes de ser nomeado para o seu primeiro vice-reinado indiano, D. Francisco da Gama consorciou-se com D. Maria de Vilhena, filha do vice-rei D. Duarte de Meneses, nascendo desta união dois filhos, D. Vasco da Gama e D. Maria de Vilhena, que se casou com o 4º conde da Castanheira, D. João de Ataíde, estreitando-se assim os laços entre ambas as Casas. Indigitado vice-rei da Índia por D. Filipe I, por carta de 2 de Dezembro de 1595, apenas partiu de Lisboa a 10 de Abril de 1596, invernando com a sua nau em Moçambique e aportando a Goa a 22 de Maio de 1597. A sua nomeação foi feita após o rei verificar que D. Fernando de Noronha, 3º conde de Linhares, devido à sua doença, não se encontrava em condições de partir para a Índia.

Manuel de Faria e Sousa desde logo refere as intenções de poder e soberba com que o conde teria partido, afirmando que iniciou o seu governo com a atribuição de mercês a pessoas erradas, que depois revogou. De qualquer forma, o seu primeiro vice-reinado viria a ficar definitivamente marcado pelas questões do Ceilão. Pouco depois da chegada de D. Francisco da Gama, o rei de Cândia, aliado com o rei de Uva, aproveitando as pazes anteriores firmadas pelas armas de D. Jerónimo de Azevedo, decidiu-se a cercar o forte de Corvite, que foi defendido por Salvador Pereira de Sá, seu capitão. Os combates no Ceilão arrastaram-se pelo Verão daquele ano, registando-se ao mesmo tempo, uma revolta de um Simão Rodrigues, que se havia proclamado rei de Sitawaka. Mas o acontecimento decisivo daquele ano, e que coincidiu com a chegada do novo vice-rei, foi a morte do rei de Kotte, D. João Parea Pandar, que havia deixado em testamento o seu reino a D. Filipe I. Em Setembro, com a chegada das primeiras embarcações neerlandesas aos mares da Ásia, o vice-rei convocou um conselho do qual saiu a decisão de enviar uma armada em perseguição das naus neerlandesas. Em Outubro, chegava a armada da Índia, composta de três naus, uma das quais se incendiou, facto que foi pressagiado como um mau agoiro para o governo do conde. No início de 1598, o vice-rei despachou uma armada para o Norte e outra para o Malabar, com o intuito de combater o pirata Cunhale que havia começado por ser súbdito do Samorim, mas que, desde o vice-reinado anterior, causava grandes danos à navegação daquele soberano e dos Portugueses, motivando uma aliança entre ambas as partes. D. Francisco da Gama atribuiu o comando da esquadra ao seu irmão, D. Luís da Gama, facto que lhe viria a granjear nova oposição. Durante o Verão, a guerra prosseguiu, após se conseguir convencer o Samorim a entrar na expedição. Após alguns combates pereceu Luís da Silva, comandante da armada do Norte, foi saqueada uma ilha que abastecia o Cunhale. Em Ceilão, o soberano de Cândia prosseguia a guerra, levando D. Jerónimo de Azevedo a intervir decisavamente na contenda. Entretanto, a armada enviada pelo vice-rei para combater os Neerlandeses, defrontou estes que debandaram para Kedah, sendo alguns navios inimigos afundados. Durante o ano de 1599, prosseguiu o cerco à fortaleza de Cunhale, mas já com o apoio das forças do Samorim, que ainda assim, sempre que tinha que negociar com os Portugueses, era obrigado a entregar alguns reféns. Apesar dos reforços enviados de Cochim e de uma acção do rei daquela cidade no sentido de esconjurar a aliança portuguesa com o Samorim, D. Luís da Gama fracassou no assalto de Maio, embora tenha logrado matar familiares do Cunhale. Retirando-se para Goa, D. Francisco da Gama ordenou-lhe que regressasse ao cerco e que esperasse pelos reforços da armada do Verão, o que D. Luís fez, mas não sem que a autoridade do vice-rei fosse por tal motivo contestada. Após uma vitória definitiva de D. Jerónimo de Azevedo sobre o rei de Cândia e da reunião de um Concílio Provincial em Diampur, em Julho, os ânimos ficaram ainda mais inflamados quando em 1600, já depois de vencido o Cunhale graças à decisiva intervenção, por ordem do vice-rei, de André Furtado de Mendonça, D. Luís da Gama foi provido para a capitania de Ormuz. Tal decisão de D. Francisco, que se limitava a cumprir ordens régias, caiu muito mal aos seus adversários que consideravam estar-se a premiar quem não merecia o comando de tão importante capitania. A vitória daquele ano, sobre o Cunhale só havia sido possível com os reforços da armada chegada do Reino em 1599. Uma vez capturada a fortaleza, que foi destruída, levantou-se uma grande discussão sobre o que fazer ao Cunhale, com alguns fidalgos a defenderem que André Furtado de Mendonça devia levá-lo directamente para Goa, mas o que sucedeu foi a enviatura de um ouvidor do crime por D. Francisco da Gama, o qual trouxe o Cunhale até Goa, com o argumento que o vice-rei não queria que o matassem. Esta acção, que novamente mereceu contestação ao vice-rei, devido ao prestígio de André Furtado de Mendonça, foi seguida da ordem de execução do Cunhale e da sua família. A 28 de Outubro, aportava a armada da Índia na qual vinha Aires de Saldanha nomeado como vice-rei, alegadamente como forma de afastar o 4º conde da Vidigueira do governo da Índia, devido ao seu mau desempenho. Para a má imagem com que D. Francisco da Gama saiu do seu primeiro vice-reinado contribuiu também o facto de ter sido neste governo que se construiu em Goa o Arco dos Vice-Reis, bem como se procurou erigir uma estátua em honra de D. Vasco da Gama. Considerava a oposição a D. Francisco que tal havia sido feito pelo vice-rei numa vã tentativa de se vangloriar da sua ascendência e sucessos governativos. A imagem de Manuel de Faria e Sousa de que D. Francisco da Gama foi a "pessoa daquele cargo que com menos decoro saiu dele", é, todavia, mitigada por outras fontes, nomeadamente por Diogo do Couto, que interpreta as tendências autoritárias que lhe foram imputadas, como um desejo da parte do vice-rei de pôr fim à "desordem" que então reinaria na Índia.

Partido da Índia a 25 de Dezembro de 1600, após a destruição da estátua a D. Vasco da Gama pelos seus adversários, D. Francisco da Gama foi nomeado presidente do Conselho da Índia, no qual pontificou até à sua nomeação vice-real seguinte. Amargurado pela forma como a sua imagem ficou retratada na Índia, D. Francisco procurou sempre a ela regressar uma segunda vez para restabelecer a sua reputação. Viria a lograr uma segunda nomeação, mas para isso teve que esperar pelo reinado de D. Filipe III visto que Filipe II, nunca o nomeou. Foi neste período de regresso a Portugal que o conde se voltou a casar, em 1606, com D. Leonor Coutinho, filha de Rui Lourenço de Távora. Deste casamento, do qual resultou uma vasta prole, destaca-se o nascimento de várias filhas e do herdeiro da Casa, D. Vasco Luís da Gama. Nesta fase da sua vida, o fidalgo foi nomeado para o Conselho de Estado, em 1621, sendo ainda gentil-homem da câmara de D. Filipe III de Portugal, além de presidente do Conselho da Índia.

Nomeado vice-rei, o primeiro do reinado de D. Filipe III, a 22 de Janeiro de 1622, por grande insistência da sua parte, refere Manuel de Faria e Sousa, embora algumas das suas cartas posteriores denotem uma tendência oposta, partiu do Tejo, a 18 de Março e aportou à Índia a 19 de Dezembro de 1622, onde sucedeu ao governador Fernão de Albuquerque. Chegado a Goa, pouco depois de correr a notícia da queda de Ormuz, às mãos da aliança anglo-persa, imediatamente se empenhou em castigar os responsáveis por aquela perda, como lhe exigia o povo de Goa. Gonçalo de Sequeira, que havia sido despachado para socorrer Ormuz, quando ali chegou, já tarde de mais, dedicou-se à fortificação de Mascate, em 1623. Nesse mesmo ano, o vice-rei enviava Constantino de Sá para o ajudar naquela missão e Rui Freire de Andrade para apresar navios inimigos no Golfo Pérsico. Foi só com os reforços da armada da Índia vinda em 1624 que o vice-rei pôde despachar o capitão que nela vinha, Nuno Álvares Botelho, para perseguir as embarcações neerlandesas e inglesas que tantos estragos haviam causado anteriormente aos Portugueses no Golfo Pérsico. Naquele local, prosseguiam os combates sob a direcção de Rui Freire de Andrade. As contendas com as esquadras neerlandesas e inglesas que se prolongaram pelos anos seguintes, em várias fases e distintos cenários, após muitas mortes de ambos os lados, acabaram por se saldar numa vitória portuguesa. Entre os anos de 1625 e 1628 pouco se sabe de concreto, excepto que o combate daqueles dois capitães a Neerlandeses e Ingleses prosseguiram com sucesso, que se teve acesso ao Tibete e que D. Francisco Mascarenhas, prevendo bloqueios neerlandeses à barra de Macau, enquanto governador daquela cidade, teria decidido construir uma fortaleza que foi mal encarada pelos Chineses. Aquela decisão teria sido baseada num bloqueio a Macau orquestrado pelos Neerlandeses, contemporâneo de um cerco a Malaca por forças do Achém, e que foi desbaratado por D. Francisco Coutinho, ocorrido em 1622. Em relação às armadas da Índia durante estes anos, Manuel de Faria e Sousa refere com insistência que o vice-rei não podia contar decisivamente com elas devido aos muitos naufrágios que ocorreram ou à perda de algumas delas em combate com os inimigos do Estado da Índia. Em Março de 1628, o vice-rei ordenou que se abrissem as vias de sucessão e entregou o poder ao bispo de Cochim, D. Frei Luís de Brito, após ser informado da morte, em Moçambique, do sucessor que D. Filipe III lhe enviara, D. Francisco Mascarenhas. Partiu da Índia, ao que parece, ainda mais odiado que da primeira vez visto que lhe foi decretado total sequestro de bens. Este foi executado pela Inquisição de Goa que se apropriou ainda da sua correspondência. No entanto, a documentação manuscrita demonstra que D. Francisco, já em Março de 1627, escrevera ao monarca pedindo-lhe para voltar para Portugal, ao que se teriam seguido cartas régias para D. Francisco Mascarenhas propondo-lhe o cargo vice-real, e para D. Frei Luís Brito de Meneses, encarregando-o da prisão do conde. No entanto, como se referiu, apesar de indigitado vice-rei, D. Francisco Mascarenhas viria a falecer na viagem para a Índia. Regressado ao Reino, D. Francisco da Gama, faleceu em Julho de 1632, em Oropeza, quando se dirigia para Madrid, a fim de se justificar junto do rei da sua acção. Foi sepultado, em 1640, na capela-mor da Igreja de Nossa Senhora das Relíquias, na Vidigueira.

Bibliografia: ALVES, José, "Francisco da Gama" in in Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, dir. Luís de Albuquerque, vol. I, s.l., Caminho, 1994, p. 448. COUTO, Diogo do, Da Ásia, XII, Lisboa, Livraria San Carlos, 1974; REGO, António da Silva, "O início do segundo governo do vice-rei da Índia. 1622-1623" in Memórias da Academia das Ciências, tomo XIX, Lisboa, Classe de Letras, 1978, pp. 323-345. SOUSA, Manuel de Faria e, Ásia Portuguesa, tradução de Maria Vitória Garcia Santos Ferreira, vol. V, Parte 2, caps. I-V, Porto, Livraria Civilização, 1947; IDEM, vol. VI, Parte 4, caps. I-II. ZÚQUETE, Afonso, Tratado de Todos os Vice-Reis e Governadores da Índia, Lisboa, Editorial Enciclopédia, 1962.