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2009
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O tratado de Westminster de 1654, celebrado entre Portugal e o Reino Unido, deve ser entendido no contexto particular da diplomacia da restauração portuguesa, pois o reino português experimentava naquela época um isolamento quase absoluto na Europa. De facto, mantinham-se os desentendimentos com as Províncias Unidas Holandesas, assim como o não reconhecimento da nova dinastia por parte da Santa Sé e a inconstância diplomática francesa (conforme mais tarde se veio a confirmar no Tratado dos Pirinéus de 1659, em que se celebraram as pazes entre as Coroas hispânica e francesa). A estes factores adicionavam-se os receios de que a frota do Brasil fosse apresada pelos Britânicos.

A importância destes nas contas do equilíbrio europeu ressurgiu com o Tratado de Vestefália, de 24 de Outubro de 1648, que fez emergir desde então a rivalidade atlântica entre o Reino Unido, as Províncias Unidas e, de certa forma, a França. A monarquia britânica, passou igualmente a dispor de uma conjuntura interna mais favorável, nomeadamente após o término da guerra civil e da unificação à Escócia, tendo adoptado doravante uma política externa mais abrangente no Mar do Norte, alicerçada no poderio da sua marinha sob o comando do almirante Blake (1649-57). Consequentemente, eclodiu o confronto com as Províncias Unidas (em paz com a monarquia hispânica pelo Tratado de Haia de 1648), onde fico patente a supremacia da força naval empregue pela Coroa britânica, materializada no Tratado de Westminster de 5 de Abril de 1654. Paralelamente, verificou-se uma aproximação à França de Mazarino e a Portugal. O reino português, dada a sua estratégica importância marítima, procurava tirar partido da crescente rivalidade atlântica, alicerçando a sua política externa em torno da supremacia britânica.

As relações bilaterais entre as duas Coroas tinham sido refreadas em função da guerra civil inglesa, que opôs o rei a parlamentaristas. Neste antagonismo, Portugal apoiou a causa real, por intermédio do seu ministro residente, António de Sousa de Macedo. No entanto, a derrota da monarquia enfraqueceu a posição luso, que seria agudizada pela questão dos príncipes do palatinado, Rupert e Maurice, sobrinhos de Carlos I. Estes, juntamente com parte da armada real, não se submeteram à República parlamentar britânica, instalando-se entre 1649-50 no estuário do Tejo, a partir do qual realizaram vários ataques a embarcações parlamentares. A Coroa portuguesa, ao recusar a entrega da frota dos príncipes e dos navios por si apresados, contribuiu para a emergência de graves tensões com o novo poder britânico. Estas traduziram-se na investida da armada britânica (comandada pelo almirante Blake), que procurou entrar na barra do Tejo, bloqueou o porto lisboeta e apresou inúmeras embarcações da frota do Brasil, tendo chegado a verificar-se o confronto directo entre as armadas portuguesas e britânicas. Esta retirou-se em Outubro de 1650, face às dificuldades sentidas no bloqueio, o que permitiu a saída dos príncipes palatinos, cuja frota seria mais tarde apresada em Cartagena, tendo aqueles conseguido escapar.

Após o término da questão dos príncipes, o governo português procurou rapidamente reaproximar-se do velho aliado. Deste modo, logo a 27 de Dezembro de 1650 foi enviado a Londres o Dr. João de Guimarães, com o objectivo de acordar tréguas com a República parlamentar do Reino Unido e retomar a ligação comercial com esta, pois temia-se um possível acordo entre aquela e a Monarquia Hispânica (que já havia reconhecido o parlamento britânico).

Os Britânicos fizeram, contudo, algumas exigências como condição para o início das negociações sobre um tratado de aliança, todas elas referentes ao anterior confronto na barra do rio lisboeta. A intransigência britânica frustrou qualquer entendimento, tendo o enviado português regressado ao reino em Maio do ano seguinte.

Nova tentativa de entendimento foi desencadeada em Setembro de 1652, com o envio de uma embaixada liderada por João Rodrigues de Sá e Menezes, conde de Penaguião. Este tinha como instruções desbloquear o impasse gerado entre os dois países, o que passava pela aceitação das condições impostas pelo Parlamento britânico. Deste modo, a 29 de Dezembro daquele ano foram acordados seis artigos preliminares, que haviam sido alinhavados pela anterior missão portuguesa, procurando-se a partir destes delinear-se um acordo entre os dois países. Aqueles incidiam na libertação dos Britânicos que se encontravam presos; na restituição dos navios e bens apreendidos e respectivas indemnizações; na punição dos responsáveis pela morte de súbditos britânicos em território português; e no pagamento de 50 mil libras, juntamente com mais 114.246, referentes à venda das presas efectuadas pelos Britânicos.

Apesar disto, os Britânicos voltaram a fazer novas exigências, jogando com a maior necessidade portuguesa em chegar a um entendimento. Os comissários da coroa britânica (com a influência dos mercadores) impuseram mais trinta e oito condições e nove artigos adicionais, aos quais o embaixador português cedeu praticamente em tudo. No entanto, o monarca português demonstrou grande relutância em assinar este tratado, sendo esta uma das razões para que se protelasse em mais de um ano a sua conclusão. Refira-se que, não obstante a posterior assinatura do tratado, o irmão do conde de Penaguião (membro da missão portuguesa em Londres), seria condenado e executado, em Julho de 1654, devido a uma quezília que resultou na morte de um oficial britânico.

A 10 de Julho de 1654 foi, por fim, assinado o tratado de Westminster, no qual o reconhecimento da independência do reino de Portugal (1º artigo), factor de extrema importância para os propósitos portugueses, era pago com amplas concessões. Embora houvesse a estipulação de privilégios comuns, como a liberdade de comércio em todos os domínios (2º) e a livre entrada e partida de barcos em ambos os portos (18º), o tratado incidiu especialmente sobre direitos e privilégios concedidos aos súbditos britânicos. Destes, destacavam-se a liberdade religiosa nos domínios portugueses (14º); a concessão de direitos judiciais, fiscais e económicos para britânicos residentes no reino português (5º, 8, 9º e 13º); a restituição de naus, bens e dinheiro tomados nos senhorios de Portugal (25º). Para além do mais, salientava-se a liberdade de comércio nos territórios portugueses (3º), com vários privilégios e isenções de direitos e tributos (20º e artigo secreto), assim como a autorização de trato entre britânicos e castelhanos (10º). O comércio com o Brasil era particularmente focado, tendo os mercadores britânicos livre participação no comércio daquele território com a metrópole portuguesa, com excepção de cinco produtos (farinha, peixe, vinho, azeite e pau-brasil), que permaneciam como exclusivo da Companhia do Brasil (11º).

D. João IV, apesar da vulnerabilidade do reino português relativamente à Grã-Bretanha, decidiu não ratificar o tratado, pois opôs-se às liberdades religiosas concedidas e às excessivas exigências económicas que o acordo encerrava. Deste modo, e durante os dois anos seguintes, a coroa portuguesa procurou modificar alguns pontos do tratado, acabando por ratificá-lo sem alterações a 9 de Junho de 1656, isto após a pressão exercida em Lisboa pelo almirante Blake e pelo conde de Sandwich, Edward Montagu, que exigiram igualmente o pagamento de 50 mil libras. Os britânicos ratificariam o tratado a 9 de Fevereiro de 1657.

O tratado de Westminster é, por norma, referenciado como o início da supremacia política britânica relativamente a Portugal. O reino português empregou o seu potencial e importância mercantil e estratégica, para unir-se ao Reino Unido de Cromwell (líder da República parlamentar britânica como Lord Protector entre 1653-58), garantindo a defesa da sua independência. Em troca desta, a Coroa portuguesa teve de dar amplas concessões económicas e comerciais, quer no Reino quer nos seus territórios imperiais, satisfazendo os desejos económicos (segurança das rotas atlânticas), políticos (isolamento da França) e estratégicos (utilização dos portos portugueses) do reino britânico. Facto sintomático disso foram as vastas liberdades, direitos e privilégios que os súbditos britânicos adquiriram (que tinham proposto à Coroa hispânica mas que esta havia recusado), garantindo no reino português um estatuto semelhante aos seus súbditos.

A partir daquele momento, o Reino Unido assumir-se-ia como a principal alternativa à França, desde o início encarada como o principal apoio na luta pela independência portuguesa, numa orientação estratégica que iria terminar aquando do tratado dos Pirinéus em 1659, passando doravante o reino britânico a assumir-se como o esteio fundamental da política externa portuguesa.

Bibliografia:
BRAZÃO, Eduardo, A Diplomacia Portuguesa nos Séculos XVII e XVIII, vol. I, Lisboa, Resistência, 1979-1980. Collecção de Tratados e concertos de pazes que o Estado da Índia fez com os Reis e Senhores com quem teve relações nas partes da Ásia e Africa Oriental desde o princípio da conquista até ao fim do século XVIII, ed. Júlio Firmino Judice Biker, Lisboa, Imprensa Nacional, Tomo II, 1882, pp. 188-231. MACEDO, Jorge Borges de, História Diplomática Portuguesa: constantes e linhas de força, Lisboa, Revista Nação e Defesa, 1987. MARTINEZ, Pedro Soares, História diplomática de Portugal, Lisboa, Verbo, 1986. PRESTAGE, Edgar, As Relações Diplomáticas de Portugal com a França, Inglaterra e Holanda de 1640 a 1668, Coimbra, Impr. da Universidade, 1928. Idem, "The Treaties of 1642, 1654 and 1661", in Chapters in Anglo-Portuguese Relations, Watford, Voss and Michael, 1935, pp. 130-151.
 

Autoria da imagem
Alexandra Pelúcia
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Palácio de Westminster