Data de publicação
2009
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O tratado de 1661, inseriu-se no intrincado contexto da diplomacia da Restauração portuguesa e no quadro específico do desejo e necessidade de aproximação do Reino português ao seu congénere britânico.
Os primeiros passos tendentes ao acordo luso-britânico deram-se na parte final da primeira embaixada de Francisco de Melo de Torres a Londres, compreendida entre os anos de 1657-61. Dada a não ratificação, pela restaurada monarquia britânica, do tratado de 28 de Abril de 1660 (que havia sido acordado com o então Conselho de Estado e que estabelecia o auxílio britânico em armas e soldados), o embaixador português procurou aperceber-se da disponibilidade de Londres para a realização do enlace entre Carlos II e a infanta D. Catarina. As movimentações para esta união realizaram-se de forma discreta, sendo sugerido pelo conde de Soure (embaixador em Paris) que a anterior proposta feita à Coroa francesa para o casamento de Luís XIV com D. Catarina (de dois milhões de cruzados mais Tânger), fosse então canalizada para Carlos II, acrescentando a união da irmã deste, Henriqueta Stuart, com D. Afonso VI.
Esta aproximação não servia os interesses espanhóis (cujo embaixador chegou a ameaçar de guerra Carlos II caso o casamento fosse avante), nem de outras coroas e de figuras da corte inglesa, que procuraram pressionar o monarca britânico a não dar continuidade ao projectado enlace. A sua pressão consistiu em denegrir a imagem física e procriadora da infanta, em propor o matrimónio com outras princesas europeias e na oferta de um dote no mesmo valor. No entanto, os rumores de um hipotético acordo anglo-espanhol e a recusa do monarca britânico em desposar a sobrinha de Luís XIV, forçaram os franceses a apoiar a proposta portuguesa, prometendo um apoio financeiro e militar à coroa britânica, o que terá sido decisivo na resolução de Carlos II.
A rainha regente portuguesa, D. Luísa de Gusmão, numa demonstração da importância vital que o acordo tinha para o Reino, terá feito grandes concessões de modo a satisfazer as variadas exigências de Londres. Um dos obstáculos levantados nas negociações foi a insistência britânica em tomar posse de Tânger antes da realização do enlace. Ficou assente que a esquadra incumbida de trazer a infanta para solo britânico passaria primeiro naquela praça africana, tomando a sua posse; noutro sentido, para a entrega de Bombaim, determinou-se enviar para Goa um novo vice-rei, que asseguraria a concessão pacífica da ilha.
Por recear a reacção da opinião pública acerca dos contornos do tratado, a rainha regente ordenou que o secretário de Estado, Gaspar Severim de Faria, não lesse no Conselho de Estado os artigos referentes à entrega das praças ultramarinas, de modo a evitar que estes fossem rejeitados. A 18 de Maio de 1661, Carlos II informou o novo Parlamento do seu casamento, que se realizou um ano mais tarde, a 31 de Maio de 1662.
D. Afonso VI, na sua exposição às câmaras das cidades e vilas de Portugal e ao Senado de Lisboa (a quem pediu a duplicação das sisas por um período de dois anos como forma de suprir as despesas inerentes ao casamento que se havia alinhavado) revelou que para a Coroa, as intenções subjacentes ao tratado visavam o cumprimento de uma multiplicidade de objectivos, nomeadamente, salvaguardar a defesa do reino face ao recente acordo dos Pirinéus de 1659 (acordo franco-espanhol que significou para a Coroa portuguesa a perda de um importante aliado europeu e uma maior disponibilidade militar e estratégica espanhola na luta ibérica), reforçar o prestígio português na Europa e procurar, sob a mediação britânica, um entendimento de paz com as Províncias Unidas, assim como possivelmente com a monarquia hispânica.
No imediato, colocou-se à Coroa portuguesa o problema do pagamento do dote da infanta. O reino passava por momentos de pouca solvência financeira e mantinha há alguns anos uma disputa com os poderes urbanos em torno de rendimentos fiscais, cuja carga era pesada já desde os tempos de D. João IV. Neste contexto, a decisão de aumentar os impostos provocou o desagrado no seio da população e originou a convocação de Cortes em Novembro de 1661, posteriormente canceladas. Neste seguimento, foram utilizados vários expedientes para angariar a totalidade do dote, recorrendo-se por exemplo ao Brasil, onde foi aplicada a cobrança de um donativo em açúcar e numerário. No entanto, os esforços empreendidos não surtiram grande efeito, dado que em vésperas da partida de D. Catarina a quantia recolhida era manifestamente insuficiente, devendo pagar-se na altura metade do valor total. Desta forma, a infanta viajou para o Reino Unido com somente 700 mil cruzados, juntamente com géneros como açúcar, jóias e pratas. Esta situação não cumpria o estipulado no acordo e poderia implicar a anulação do casamento; contudo, o conde de Sandwich, enviado britânico, tendo já tomado posse da praça de Tânger, optou por dar continuidade ao acordado. Refira-se que o cumprimento desta primeira parte só ficou concluído passado mais de um ano após a chegada da rainha a Londres, sendo que a parte restante apenas foi liquidada algumas décadas depois.
O tratado entre as duas coroas foi assinado a 23 de Junho de 1661 em Whitehall, ratificado por Portugal a 28 de Agosto e pelo Reino Unido a 20 de Setembro daquele ano. As estipulações mais significativas que ressaltaram do acordo, foram o pagamento de um dote de dois milhões de cruzados (o mais avultado de uma infanta portuguesa, art. 5), a cessão das praças de Tânger (art. 2) e de Bombaim (art. 11) "com todos os seus direitos, proveitos, territórios e quaisquer pertenças" e a concessão de múltiplos privilégios e liberdades comerciais aos comerciantes britânicos ao longo das possessões marítimas portuguesas (arts. 12 e 13). A entrega de Bombaim era justificada com a necessidade de aumentar a presença britânica na Ásia de forma a providenciar o auxílio necessário aos portugueses, face à "força e invasão" das Províncias Unidas. À nova rainha britânica foi conferida liberdade de culto (art. 7), gozando do mesmo direito os habitantes portugueses que desejassem permanecer em Tânger (art. 3) e Bombaim (art. 11). Em relação ao Estado da Índia, foi acordada uma partilha das possessões eventualmente reconquistadas (art. 14). Em contrapartida, o monarca britânico comprometeu-se a auxiliar militarmente a coroa portuguesa (com soldados e naus, pagas pelo erário régio português, arts. 16 e 17), assumiu que não iria estabelecer contactos com a monarquia hispânica que pudessem prejudicar a Coroa portuguesa (art. 18) e responsabilizou-se a intermediar as pazes com as Províncias Unidas, apoiando militarmente o Reino português caso aquelas recusassem a paz (art. secreto). Noutros artigos relevantes, ratificaram-se e confirmaram-se todos os tratados celebrados entre as duas coroas desde 1641 (art. 1) e concedeu-se à rainha o direito a uma doação anual de trinta mil libras, que continuaria a receber em caso de viuvez e do seu regresso ao Reino (arts. 8 e 10).
Para além de receber uma importante soma de dinheiro, com este tratado a Coroa britânica pretendia melhorar o seu comércio e expandir as suas possessões ultramarinas, tirando partido do desenvolvimento comercial que o Reino português detinha em vastas zonas do mundo e que a partir de agora seriam aproveitadas pelos comerciantes britânicos. O estabelecimento na estratégica praça de Bombaim, revelar-se-ia fulcral para o desenvolvimento do império britânico e marcou o dealbar do seu domínio na Índia. No sentido oposto, Tânger foi abandonada em 1684, conquistada pelo rei marroquino.
Por sua vez, a coroa portuguesa garantiu um auxílio externo objectivo e não apenas circunstancial (como até aí tinha sucedido), de uma importância essencial na defesa da sua independência e decisivo no quadro da guerra restauradora, num contexto de alguma fragilidade devido ao acordo franco-espanhol de 1659. O tratado de 1661 marcou assim o início do alinhamento de Portugal com o Reino Unido, assumindo-se este como a prioridade da política externa daquele, o que resultou, por conseguinte, no fim do isolamento português no quadro europeu. O acordo impulsionou ainda as negociações de paz com a monarquia hispânica, dadas as relações de amizade anglo-espanholas e a recente posição britânica face à coroa portuguesa. As conversações tiveram início pouco depois, em 1663, mas só ficaram concluídas em 1668.
O tratado de 1661, não obstante as perdas territoriais e concessões comerciais que acarretou, foi a medida necessária para a preservação da soberania portuguesa em várias regiões ultramarinas na época, inserindo-se num quadro geral de reestruturação do império português face à emergência de potências europeias (como as Províncias Unidas e o Reino Unido) nas suas zonas de influência e soberania, tendo sido a solução necessária para a sobrevivência e manutenção das mesmas.
Bibliografia:
BRAZÃO, Eduardo, A Diplomacia Portuguesa nos Séculos XVII e XVIII, vol. I, Lisboa, Resistência, 1979-1980. MACEDO, Jorge Borges de, História Diplomática Portuguesa: constantes e linhas de força, Lisboa, Revista Nação e Defesa, 1987. MARTINEZ, Pedro Soares, História diplomática de Portugal, Lisboa, Verbo, 1986. PRESTAGE, Edgar, "The Treaties of 1642, 1654 and 1661", in Chapters in Anglo-Portuguese Relations, Watford, Voss and Michael, 1935, pp. 130-151.
Os primeiros passos tendentes ao acordo luso-britânico deram-se na parte final da primeira embaixada de Francisco de Melo de Torres a Londres, compreendida entre os anos de 1657-61. Dada a não ratificação, pela restaurada monarquia britânica, do tratado de 28 de Abril de 1660 (que havia sido acordado com o então Conselho de Estado e que estabelecia o auxílio britânico em armas e soldados), o embaixador português procurou aperceber-se da disponibilidade de Londres para a realização do enlace entre Carlos II e a infanta D. Catarina. As movimentações para esta união realizaram-se de forma discreta, sendo sugerido pelo conde de Soure (embaixador em Paris) que a anterior proposta feita à Coroa francesa para o casamento de Luís XIV com D. Catarina (de dois milhões de cruzados mais Tânger), fosse então canalizada para Carlos II, acrescentando a união da irmã deste, Henriqueta Stuart, com D. Afonso VI.
Esta aproximação não servia os interesses espanhóis (cujo embaixador chegou a ameaçar de guerra Carlos II caso o casamento fosse avante), nem de outras coroas e de figuras da corte inglesa, que procuraram pressionar o monarca britânico a não dar continuidade ao projectado enlace. A sua pressão consistiu em denegrir a imagem física e procriadora da infanta, em propor o matrimónio com outras princesas europeias e na oferta de um dote no mesmo valor. No entanto, os rumores de um hipotético acordo anglo-espanhol e a recusa do monarca britânico em desposar a sobrinha de Luís XIV, forçaram os franceses a apoiar a proposta portuguesa, prometendo um apoio financeiro e militar à coroa britânica, o que terá sido decisivo na resolução de Carlos II.
A rainha regente portuguesa, D. Luísa de Gusmão, numa demonstração da importância vital que o acordo tinha para o Reino, terá feito grandes concessões de modo a satisfazer as variadas exigências de Londres. Um dos obstáculos levantados nas negociações foi a insistência britânica em tomar posse de Tânger antes da realização do enlace. Ficou assente que a esquadra incumbida de trazer a infanta para solo britânico passaria primeiro naquela praça africana, tomando a sua posse; noutro sentido, para a entrega de Bombaim, determinou-se enviar para Goa um novo vice-rei, que asseguraria a concessão pacífica da ilha.
Por recear a reacção da opinião pública acerca dos contornos do tratado, a rainha regente ordenou que o secretário de Estado, Gaspar Severim de Faria, não lesse no Conselho de Estado os artigos referentes à entrega das praças ultramarinas, de modo a evitar que estes fossem rejeitados. A 18 de Maio de 1661, Carlos II informou o novo Parlamento do seu casamento, que se realizou um ano mais tarde, a 31 de Maio de 1662.
D. Afonso VI, na sua exposição às câmaras das cidades e vilas de Portugal e ao Senado de Lisboa (a quem pediu a duplicação das sisas por um período de dois anos como forma de suprir as despesas inerentes ao casamento que se havia alinhavado) revelou que para a Coroa, as intenções subjacentes ao tratado visavam o cumprimento de uma multiplicidade de objectivos, nomeadamente, salvaguardar a defesa do reino face ao recente acordo dos Pirinéus de 1659 (acordo franco-espanhol que significou para a Coroa portuguesa a perda de um importante aliado europeu e uma maior disponibilidade militar e estratégica espanhola na luta ibérica), reforçar o prestígio português na Europa e procurar, sob a mediação britânica, um entendimento de paz com as Províncias Unidas, assim como possivelmente com a monarquia hispânica.
No imediato, colocou-se à Coroa portuguesa o problema do pagamento do dote da infanta. O reino passava por momentos de pouca solvência financeira e mantinha há alguns anos uma disputa com os poderes urbanos em torno de rendimentos fiscais, cuja carga era pesada já desde os tempos de D. João IV. Neste contexto, a decisão de aumentar os impostos provocou o desagrado no seio da população e originou a convocação de Cortes em Novembro de 1661, posteriormente canceladas. Neste seguimento, foram utilizados vários expedientes para angariar a totalidade do dote, recorrendo-se por exemplo ao Brasil, onde foi aplicada a cobrança de um donativo em açúcar e numerário. No entanto, os esforços empreendidos não surtiram grande efeito, dado que em vésperas da partida de D. Catarina a quantia recolhida era manifestamente insuficiente, devendo pagar-se na altura metade do valor total. Desta forma, a infanta viajou para o Reino Unido com somente 700 mil cruzados, juntamente com géneros como açúcar, jóias e pratas. Esta situação não cumpria o estipulado no acordo e poderia implicar a anulação do casamento; contudo, o conde de Sandwich, enviado britânico, tendo já tomado posse da praça de Tânger, optou por dar continuidade ao acordado. Refira-se que o cumprimento desta primeira parte só ficou concluído passado mais de um ano após a chegada da rainha a Londres, sendo que a parte restante apenas foi liquidada algumas décadas depois.
O tratado entre as duas coroas foi assinado a 23 de Junho de 1661 em Whitehall, ratificado por Portugal a 28 de Agosto e pelo Reino Unido a 20 de Setembro daquele ano. As estipulações mais significativas que ressaltaram do acordo, foram o pagamento de um dote de dois milhões de cruzados (o mais avultado de uma infanta portuguesa, art. 5), a cessão das praças de Tânger (art. 2) e de Bombaim (art. 11) "com todos os seus direitos, proveitos, territórios e quaisquer pertenças" e a concessão de múltiplos privilégios e liberdades comerciais aos comerciantes britânicos ao longo das possessões marítimas portuguesas (arts. 12 e 13). A entrega de Bombaim era justificada com a necessidade de aumentar a presença britânica na Ásia de forma a providenciar o auxílio necessário aos portugueses, face à "força e invasão" das Províncias Unidas. À nova rainha britânica foi conferida liberdade de culto (art. 7), gozando do mesmo direito os habitantes portugueses que desejassem permanecer em Tânger (art. 3) e Bombaim (art. 11). Em relação ao Estado da Índia, foi acordada uma partilha das possessões eventualmente reconquistadas (art. 14). Em contrapartida, o monarca britânico comprometeu-se a auxiliar militarmente a coroa portuguesa (com soldados e naus, pagas pelo erário régio português, arts. 16 e 17), assumiu que não iria estabelecer contactos com a monarquia hispânica que pudessem prejudicar a Coroa portuguesa (art. 18) e responsabilizou-se a intermediar as pazes com as Províncias Unidas, apoiando militarmente o Reino português caso aquelas recusassem a paz (art. secreto). Noutros artigos relevantes, ratificaram-se e confirmaram-se todos os tratados celebrados entre as duas coroas desde 1641 (art. 1) e concedeu-se à rainha o direito a uma doação anual de trinta mil libras, que continuaria a receber em caso de viuvez e do seu regresso ao Reino (arts. 8 e 10).
Para além de receber uma importante soma de dinheiro, com este tratado a Coroa britânica pretendia melhorar o seu comércio e expandir as suas possessões ultramarinas, tirando partido do desenvolvimento comercial que o Reino português detinha em vastas zonas do mundo e que a partir de agora seriam aproveitadas pelos comerciantes britânicos. O estabelecimento na estratégica praça de Bombaim, revelar-se-ia fulcral para o desenvolvimento do império britânico e marcou o dealbar do seu domínio na Índia. No sentido oposto, Tânger foi abandonada em 1684, conquistada pelo rei marroquino.
Por sua vez, a coroa portuguesa garantiu um auxílio externo objectivo e não apenas circunstancial (como até aí tinha sucedido), de uma importância essencial na defesa da sua independência e decisivo no quadro da guerra restauradora, num contexto de alguma fragilidade devido ao acordo franco-espanhol de 1659. O tratado de 1661 marcou assim o início do alinhamento de Portugal com o Reino Unido, assumindo-se este como a prioridade da política externa daquele, o que resultou, por conseguinte, no fim do isolamento português no quadro europeu. O acordo impulsionou ainda as negociações de paz com a monarquia hispânica, dadas as relações de amizade anglo-espanholas e a recente posição britânica face à coroa portuguesa. As conversações tiveram início pouco depois, em 1663, mas só ficaram concluídas em 1668.
O tratado de 1661, não obstante as perdas territoriais e concessões comerciais que acarretou, foi a medida necessária para a preservação da soberania portuguesa em várias regiões ultramarinas na época, inserindo-se num quadro geral de reestruturação do império português face à emergência de potências europeias (como as Províncias Unidas e o Reino Unido) nas suas zonas de influência e soberania, tendo sido a solução necessária para a sobrevivência e manutenção das mesmas.
Bibliografia:
BRAZÃO, Eduardo, A Diplomacia Portuguesa nos Séculos XVII e XVIII, vol. I, Lisboa, Resistência, 1979-1980. MACEDO, Jorge Borges de, História Diplomática Portuguesa: constantes e linhas de força, Lisboa, Revista Nação e Defesa, 1987. MARTINEZ, Pedro Soares, História diplomática de Portugal, Lisboa, Verbo, 1986. PRESTAGE, Edgar, "The Treaties of 1642, 1654 and 1661", in Chapters in Anglo-Portuguese Relations, Watford, Voss and Michael, 1935, pp. 130-151.